Cidade

Novo nome e administração da Casa da Escrita geram críticas

Raquel Lucas

Cidadãos mostram estar atentos ao que acontece em Coimbra e, nas palavras de Jorge Gouveia Monteiro, exigem autarquia “digna”. Presidente da CMC defende que espaço se mantém “casa de artistas”. Por Raquel Lucas, Clara Neto e Eduardo Neves

Esta quinta-feira, às 12h, deu-se a inauguração da Casa da Cidadania da Língua, no espaço anteriormente conhecido como Casa da Escrita. A sessão teve como propósito celebrar e dar a conhecer os motivos por detrás desta alteração, que surge de um protocolo  para a gestão partilhada do local entre a Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e a Câmara Municipal de Coimbra (CMC). Em protesto, e pouco antes da inauguração, o movimento Cidadãos por Coimbra mostrou o seu descontentamento face a esta mudança.

A oposição

Na manifestação estiveram presentes alguns membros do coletivo, representado por Jorge Gouveia Monteiro, ex-vereador da CMC e antigo membro dirigente do Partido Comunista Português. Em entrevista ao jornal A CABRA, o atual dono do Liquidâmbar conta que o grupo não se opõe à gestão das estruturas da CMC por parte de associações, mas desconfia da credibilidade da APBRA para esta função. “Este património valioso está agora nas mãos de uma associação que não se sabe como trabalha”, declara. O ex-vereador defende ainda que o espaço “tem que ser uma peça importante” na vida política da cidade, de modo a gerar uma “população mais culta”.

Através desta intervenção, Jorge Gouveia Monteiro acredita ter conseguido levar a palavra do movimento aos jornais da cidade, após não ter obtido resposta à nota de denúncia “Impedir o assalto à Casa da Escrita”, submetida pelo coletivo na semana passada. Para o ex-vereador, é importante mostrar que “pelo menos uma faixa da população está atenta” ao que acontece na cidade e exige “uma CMC digna”. Adiciona ainda que o objetivo do protesto é “aumentar a pressão” para que não se banalize este género de questões. “Vamos continuar esta batalha pela cultura e pela ética nas práticas políticas dos nossos representantes”, promete.

Em resposta à crítica por parte da concelhia do Partido Comunista Português, o presidente da CMC, José Manuel Silva, frisou que esta “não merece comentário nenhum”, já que se trata de uma questão política. O autarca defendeu que o processo de alteração da Casa da Escrita para Casa da Cidadania da Língua foi “transparente” e que o protocolo é público. Quando questionado sobre a possibilidade de os cidadãos de Coimbra apresentarem uma queixa formal, o político mostrou-se agradecido, pois acredita que é “uma prova da transparência do processo”.

A inauguração da nova Casa

Para assinalar o momento, o município programou várias atividades no decorrer do dia. No Salão Nobre, nos Paços do Município, às 10h15, atribuiu-se a medalha de ouro da cidade ao presidente do Senado Federal do Brasil, Rodrigo Pacheco. Mais tarde, realizou-se a deposição de uma coroa de flores no túmulo de D. Afonso Henriques, na Igreja de Santa Cruz. Após a cerimónia de inauguração seguiu-se uma exibição do documentário “O que é a Cidadania da Língua?”, na Casa do Cinema de Coimbra, às 15h.

Uma hora depois, o novo espaço recebeu a sessão “Gente de cá e de lá: dicções de uma escrita feminista”, apresentada pelas poetas contemporâneas Luiza Romão e Rute Simões Ribeiro, assim como a estreia de uma exposição do artista Chico Diaz. Para fechar os eventos do dia, está marcado um concerto de Zeca Baleiro, intitulado “Canções d’Aquém e além-mar”, às 21h30, no Grande Auditório do Convento São Francisco.

A cerimónia de inauguração contou com os discursos de José Manuel Silva, do presidente da APBRA, José Manuel Diogo, e do presidente do Senado Federal do Brasil. Ao refletir sobre o espaço, o autarca reconheceu que este “foi muito mais do que uma Casa da Escrita, foi uma casa de cidadania” e explicou que o objetivo é criar um “epicentro de debate da cidadania da língua”. Assim, referiu que a nova dinâmica do local pretende ser “muito mais intensa” face ao “estado de letargia” cultural em que se encontrava. Na perspetiva do município, a cidade dá, assim, “mais um passo” na ligação entre Portugal e o Brasil.

José Manuel Silva manifestou, ainda, que “transformar esta casa, que continua a ser uma casa de artistas, é abarcar a forma escrita da cultura”. Nesse sentido, esta abertura representa uma aproximação de uma sociedade que se “comunica e entende através de uma língua comum”, expressou. Na mesma linha de ideias, José Manuel Diogo mencionou que a missão desta partilha é a de “construir uma comunidade mais coesa”, onde a língua “não é mais um instrumento, mas uma verdadeira plataforma”.

Por sua vez, Rodrigo Pacheco aproveitou para citar José Saramago, ao afirmar que “não há uma língua portuguesa, há línguas em português”. Para dar ênfase a esta ideia, o senador esclareceu o conceito de Cidadania da Língua: “não é critério de assimilação ou vínculo exclusivo”, pelo que também “nunca vai ser um muro entre os povos”. Para terminar a cerimónia, os presentes foram convidados a ouvir uma atuação de dois guitarristas do Grupo de Fado ao Centro.

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