Ensino Superior

Estudantes ocupam Grelhados e exigem gestão partilhada do espaço

Ana Filipa Paz

Presidente da DG/AAC e secretário-geral do Conselho Cultural recusam-se a participar no debate na metade sob gestão do TAGV. Comunicado assinado por Amílcar Falcão e João Caseiro garante envolvimento dos estudantes no projeto de remodelação dos Grelhados. Por Ana Filipa Paz

Esta segunda-feira, realizou-se, na antiga Cantina dos Grelhados, um debate promovido pela Universidade de Coimbra (UC), que ficou marcado pela reivindicação dos estudantes face à gestão monopolizada do espaço por parte da equipa reitoral e da direção do Teatro Académico Gil Vicente (TAGV). Os Grelhados foram ocupados pelos estudantes até às 21h30, hora em que foi emitido um comunicado nas páginas oficiais da Associação Académica de Coimbra (AAC) e da UC a assegurar a gestão partilhada do espaço.

No final da sessão da manhã, o presidente Direção-Geral da AAC (DG/AAC), João Caseiro, entregou um memorando ao reitor da UC, com o objetivo de que a reitoria se vinculasse a uma solução de gestão partilhada do edifício. Neste seguimento, foi partilhado um comunicado nas redes sociais da AAC que esclareceu que, depois de receber o documento, o reitor “se comprometeu a avaliar a situação e a dar uma resposta com a maior das brevidades”.

O dia ganhou maior atenção da parte da tarde, pelas 15 horas, quando o presidente da DG/AAC e o Secretário-Geral do Conselho Cultural (CC/AAC), César Sousa, decidiram participar na sessão e falar para o público do outro lado da chapa – o que está sob tutela da AAC e se encontra degradado e abandonado. Um grupo de estudantes juntou-se à frente “do muro”, de capa e batina fechadas, em luto. Esta manifestação surgiu no seguimento da colocação de uma chapa a dividir a sala, e sucessiva remodelação do lado esquerdo, sob gestão do TAGV. Esta alteração foi feita sem o conhecimento da AAC, que utilizava o espaço até à data.

A par da falta de respeito para com a AAC, que viu mais um espaço ser-lhe retirado, foram reclamadas a falta de segurança das infraestruturas da UC, a parca transparência por parte da equipa reitoral e a desvalorização do trabalho realizado diariamente pelos associados da Académica, em particular na articulação com o TAGV. Do outro lado da chapa, o anterior e o atual diretores do TAGV, Fernando Oliveira e Sílvio Santos, respetivamente, intercalaram as suas intervenções, que tiveram por base o tema do Edificado da AAC.

João Caseiro e César Sousa ressalvaram a urgência de integrar os estudantes na discussão, tendo em conta as suas necessidades, e a importância de trabalhar em conjunto de forma a permitir que nenhum estudante saia prejudicado – intervenções que foram muito aplaudidas. “Não temos capacidade financeira nem responsabilidade legal sob o edificado, pelo que a ajuda da UC é imprescindível para estimular o crescimento da Académica”, reivindica o presidente da DG/AAC. No entanto, considera indispensável haver “um diálogo recíproco entre as partes”.

No fim do evento, os estudantes mantiveram-se dentro da antiga cantina, à espera de uma resolução por parte da reitoria. Por volta das 21h30 foi publicado um comunicado nas páginas oficiais do ‘Instagram’ da UC e da AAC, que define a constituição de uma “Comissão de Gestão”, composta pelo mesmo número de membros da UC e da AAC, que visa assegurar a comunicação transparente e atempada das alterações feitas no espaço, bem como o envolvimento equilibrado das duas partes. No mesmo documento, assinado pelo reitor da UC e pelo presidente da DG/AAC, é anunciada a realização de uma reunião a decorrer no dia 29 de junho, na Cantina dos Grelhados, sobre o memorando.

Nas próximas semanas, o espaço remodelado pelo TAGV vai ser usado como sala de estudo, sob gestão da DG/AAC, “que se encontra a determinar os pormenores logísticos para assegurar essa abertura, de forma a anunciar nas redes sociais da AAC os moldes de funcionamento da mesma em breve”, avança João Caseiro. Os estudantes leem esta conclusão como uma vitória, mas que ainda pressupõe muito trabalho e luta.

Debate TAGV – AAC: a queda do “muro”

João Caseiro começou por explicar a decisão de se posicionar do outro lado da chapa, ao dar um contexto sobre os últimos anos de gestão do espaço e as decisões controversas que marcaram os últimos tempos. Segundo o presidente, a AAC não tem acesso ao espaço que foi remodelado pelo TAGV e onde decorre a sessão de debate, pelo que não faria sentido fazer a sua intervenção desse lado. O estudante sublinhou a diferença entre as duas salas, que se repartem pela divisória, e declara não entender porque é que o espaço não foi renovado na sua totalidade.

“Todos concordamos que este espaço tem de ser requalificado, só não pode servir a academia de formas diferentes, muito menos prejudicar aqueles que utilizam este espaço de forma corrente”, reivindica. De acordo com o dirigente, a visão da AAC para o futuro do espaço é ir ao encontro daquilo que tem motivado o seu uso nos últimos anos: “para promoção de atividades de interesse académico, inclusive reuniões da direção-geral, que passou a ter de reunir no corredor da DG/AAC, que não é suficiente para o número de pessoas”, explica.

João Caseiro reforçou ainda o facto de o edifício-sede não estar preparado para albergar todas as secções que compõe a AAC, que está em constante crescimento. Com a colocação da chapa, houve secções e organismos da AAC que tiveram de interromper a sua atividade, que dependiam do espaço para ensaios, demonstração de trabalho, reuniões, Assembleias Magnas, entre outros. “Somos estudantes da UC e somos dos principais agentes culturais e desportivos da cidade, por isso é preciso dar atenção aos elementos que fazem subsistir a AAC e apoiar esse desenvolvimento”, sublinha.

Em relação aos jardins, o dirigente considera que: “é importante ter o espaço preservado e para isso precisamos que existam os recursos para que consigamos ajudar a UC nesse trabalho, porque de forma independente não conseguimos fazê-lo”. A falta de comunicação e colaboração na administração dos espaços promove “um risco de contraste na academia”, reitera.

Dirigindo-se à reitoria, João Caseiro apelou a que tenham em atenção as exigências feitas pelos estudantes: “Queremos ser integrados na discussão sem que sejam tomadas decisões sem o nosso aviso prévio; queremos também que a nossa parte seja renovada e limpa, para que o espaço possa ser usado como um”. O dirigente termina deixando um repto a todo o auditório: “vamos alongar o 25 de novembro de 1920 e fazer jus aos espaços da AAC”.

A articulação com o TAGV

César Sousa apontou duas manifestações de “um retrocesso na democracia cultural” no que diz respeito à gestão do TAGV: “o facto de o bar do teatro ser concessionado e não envolver um tabelamento de preços de acesso ao palco do TAGV e ainda a falta de representatividade dos estudantes na própria direção”. Segundo o representante, “isto faz com que haja um crivo financeiro que afasta grande parte da massa estudantil e das estruturas académicas desse espaço”.

O secretário-geral do CC/AAC condenou a colocação da chapa “sem qualquer tipo de comunicação prévia aos estudantes” e a incoerência do discurso da reitoria. “A partir do momento em que não existe um projeto de remodelação” – segundo o que foi comunicado à AAC – “mas os próprios intervenientes num debate acerca do que se deve fazer neste espaço são da AAC e do TAGV, mostra que algumas intenções não foram claras”, denuncia. Durante a sessão da manhã, o arquiteto Gonçalo Byrne revelou ter sido contactado pela reitoria da UC no início do ano para adaptar o projeto de renovação do edificado da AAC, que já existia há 15 anos.  

Para terminar, César Sousa disse concordar com a necessidade de profissionalizar e inovar a atividade do TAGV, defendida por Fernando Matos de Oliveira, antigo diretor do TAGV. No entanto, considera que “não invalida o seu papel importante e histórico de local de experimentação e de acesso à produção artística e cultural da própria comunidade académica”.

Em resposta, Fernando Matos Oliveira, afirmou que “a tensão entre o TAGV e a AAC não é recente, mas não faz sentido para o futuro”. Além disso, explicou que este espaço acompanha a perspetiva futura pensada para o teatro como um centro interdisciplinar, de formação artística e promoção cultural, que pretende “acolher também as atividades da AAC”, à luz da disponibilidade da programação. A remoção da chapa, colocada no seu mandato, não foi mencionada.

Sílvio Santos, o novo diretor do TAGV, sublinha a necessidade de as duas estruturas trabalharem em conjunto, promovendo uma ideia de reconexão. Já Delfim Leão, vice-reitor para a Cultura, Comunicação e Ciência Aberta da UC, relembra que sem a divisória, que considera indispensável, pondo a hipótese de ser substituída por uma cortina ou algo removível, não seria possível realizar este evento.

Podes ler a reportagem sobre a divisória de chapa colocada nos Grelhados no link que se segue: https://jornalismofluc.shorthandstories.com/cortina-de-chapa/

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