Cultura

Estudantes denunciam má organização e violência no Chá Dançante

Eduardo Neves

Evento interrompido mais cedo por equívoco no requisito de licenças. Grupos académicos condenam falta de respeito e comunicação, que levou a reações agressivas por parte dos seguranças contratados. Por Ana Filipa Paz, com colaboração de Raquel Lucas e Simão Moura

No passado dia 24 de maio, no âmbito do programa de festividades da semana da Queima das Fitas 2023 (QF’23), ocorreu o Chá Dançante, um evento tradicional para todos os estudantes e que, nos últimos anos, tem sido alvo de críticas pelo público e grupos académicos participantes. Este ano não foi exceção, grupos insurgiram-se contra o sistema de rotatividade adotado na escolha das tunas participantes, um baile que tem por hábito terminar às 6 horas da manhã foi interrompido mais cedo, estudantes foram expulsos, grupos académicos atuaram sem som e ficaram registados momentos de violência entre a equipa de segurança e o público.

Face a estes problemas, a Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra (SF/AAC) publicou um comunicado nas suas redes sociais a condenar a falta de organização do baile, antes e durante o evento. Apontaram também o desrespeito pelos grupos académicos a atuar, pelo incumprimento do alinhamento divulgado e “a agressividade e violência inusitada demonstradas pela força de segurança da empresa 3XL”, conforme escrito em comunicado. Também as FANS – Tuna Feminina da Universidade de Coimbra, grupo impedido de atuar pelo encerramento precoce do espetáculo, tornou público o seu descontentamento nas redes sociais face ao sucedido. A organização do evento é da competência do pelouro dos bailes da Comissão Organizadora da QF’23 (COQF’23).

Segundo o presidente da SF/AAC, João Sousa, os problemas começaram a surgir ainda antes do dia do evento, com a “polémica em volta dos grupos que iriam atuar” e a “falha de comunicação relativa aos moldes como se votou e decidiu fazer o Chá Dançante este ano”. A adoção de um sistema de rotatividade levou a FAN-Farra Académica de Coimbra e a Tuna de Medicina da Universidade de Coimbra, presenças assíduas no evento, a emitir um comunicado contra o sistema de nomeação dos grupos a atuar, que não os incluiu. Úrsula Ventura, membro da direção d’As FANS, sublinha que a integração de grupos mistos e femininos no Chá Dançante “é uma reclamação que se tem vindo a fazer há muitos anos”, sem sucesso, pelo que a sua realização deixa o grupo “muito feliz”.    

Os problemas denunciados

João Sousa denunciou ainda a “falta de consideração na descentralização do Chá Dançante em relação ao recinto e ao edifício-sede da AAC, que devia contemplar opções de transporte para os grupos e respetivos instrumentos”. A par disso, durante o decorrer do evento, a alimentação dos estudantes antes do espetáculo “também estava mal-organizada”, devido a uma “falha de comunicação” entre os responsáveis dos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra e a COQF’23.

Houve uma “falta de consideração na descentralização do Chá Dançante em relação ao recinto e ao edifício-sede da AAC, que devia contemplar opções de transporte para os grupos e respetivos instrumentos”

João Sousa, presidente da SF/AAC

“O alinhamento do espetáculo foi enviado aos grupos da SF/AAC no mesmo dia do evento”, quando foi também publicado nas redes sociais da QF’23, “e pressupunha a realização do espetáculo até às 6 horas”, explica João Sousa. Úrsula Ventura, também testemunhou ter recebido a planificação no próprio dia e, inclusive, denunciou o facto de lhes ter sido “pedido no dia anterior para trocar o horário da atuação para último”. Segundo a responsável, esta “exigência” causou alguma confusão na organização interna do grupo e deveu-se, de acordo com a mesma, “ao facto de a Orxestra Pitagórica querer subir a palco a seguir à atuação principal”, a Rosinha, à 1h10. “A partir daí começámos a perceber que o nosso lugar no Chá Dançante era apenas diplomático e que ainda não valorizam a nossa presença tanto quanto gostaríamos”, lamenta.

“A partir daí começámos a perceber que o nosso lugar no Chá Dançante era apenas diplomático e que ainda não valorizam a nossa presença tanto quanto gostaríamos”

Úrsula Ventura, membro da direção d’As FANS

O evento decorreu de forma normal até às 2 horas: como habitual, o cenário começou a ser destruído, dando início ao fim da festa. Durante a atuação da Orxestra Pitagórica, grupo da SF/AAC, o som foi cortado, a equipa responsável pelo som começou a arrumar os seus equipamentos, um carro da polícia chegou ao local e os membros do público que estavam fora do pavilhão já não puderam entrar mais. De acordo com João Sousa, a COQF’23 apenas tinha conseguido licenças até às 4 horas e “não houve o cuidado de avisar nem de perguntar como poderiam solucionar o problema, de forma a acomodar a atuação de todos os grupos”. O último grupo participante estava previsto começar às 4h55 e acabar às 5h25, de acordo com o alinhamento divulgado. Úrsula Ventura diz nunca ter recebido indicações contrárias.  

Depois da Orxestra Pitagórica, a Estudantina Universitária de Coimbra, também grupo da SF/AAC, subiu a palco sem som. Durante a atuação do tradicional tema “Assim mesmo é que é”, os tunos foram impedidos pela equipa de segurança contratada pela COQF’23 de ir buscar membros do público para dançar em palco. João Sousa descreve este momento como “o problema mais grave de toda a noite e face o qual não parece ter havido um mea culpa por parte da organização”. Segundo o dirigente, “em princípio por falta de comunicação, houve um claro excesso de violência e acabou por haver agressões tanto a membros dos grupos a participar, como a pessoas do público”. Úrsula Ventura conta que “quando chegou a hora d’As FANS entrarem não havia condições nem pessoas a assistir”.

“Em princípio por falta de comunicação, houve um claro excesso de violência e acabou por haver agressões tanto a membros dos grupos a participar, como a pessoas do público”

João Sousa, presidente da SF/AAC

Resposta por parte da organização

Em reação ao sucedido, “o coordenador geral de segurança que estava no Chá Dançante teve uma atitude de desvalorização, o que não acontece pela primeira vez”, revelou o presidente da SF/AAC. O estudante considera que “a SF/AAC não está responsável nem tem legitimidade para apresentar queixa”, mas não ficaria “chocado” se os afetados “o fizessem a título individual”. Acrescenta: “achamos que deve haver uma formação das equipas de segurança acerca do ambiente da QF e dos cenários mais específicos de cada evento que há fora do Parque da Canção”.

“Achamos que deve haver uma formação das equipas de segurança acerca do ambiente da QF e dos cenários mais específicos de cada evento que há fora do Parque da Canção”

João Sousa, presidente da SF/AAC

Úrsula Ventura diz ter conversado com a COQF’23 e com o dux veteranorum, que: “pediram desculpa e disseram que, para o ano, tínhamos o lugar garantido no espetáculo e podíamos escolher o horário para atuar”. No entanto, João Sousa refere não ter “recebido ainda um pedido de desculpas oficial nem um mínimo de manifestação de remorso”. Relaciona esta falha ao resultado de uma “falta de introspeção por parte da organização e uma certa ignorância relativa à forma como as coisas correram, o que é ainda mais grave”. O dux veteranorum da Universidade de Coimbra, Matias Correia, pensa que “este ano o Chá Dançante tinha tudo para ser notável”, mas lamenta o sucedido. Filipa Lima, comissária de psicologia responsável pelo pelouro dos bailes, recusou-se a dar entrevista ao Jornal A CABRA por motivos de falta de tempo.

“[A COQF e o MCV] pediram desculpa e disseram que, para o ano, tínhamos o lugar garantido no espetáculo e podíamos escolher o horário para atuar”

Úrsula Ventura, membro da direção d’As FANS

No que diz respeito aos transportes, Matias Correia declara que: “daquilo que sei, ficou tudo resolvido e houve um entendimento entre os grupos e por isso é que não houve uma intervenção mais direta da parte do conselheiro da QF para o Chá, indigitado pelo Magnum Consilium Veteranorum (MCV)”. Já sobre a interrupção do evento, considera que “foi falha da COQF’23 que só durante o evento é que se apercebeu de que na licença não estava escrito um 6, mas um 4, e o evento só podia acontecer até essa hora”.

“Foi falha da COQF’23 que só durante o evento é que se apercebeu de que na licença não estava escrito um 6, mas um 4, e o evento só podia acontecer até essa hora”.

Matias Correia, dux veteranorum

De acordo com o dux, “foi um lapso” e a adjunta de coordenação geral que trata do licenciamento equivocou-se no requisito da licença. Da parte do MCV, responsável por fiscalizar a organização, Matias Correia reconhece que: “não identificámos a tempo o erro, o que é uma falha nossa também”. Em relação às agressões, o dux diz ter estado presente e concordar em completo com a SF/AAC: “eu próprio estive envolvido e a resposta dos seguranças foi bastante agressiva”.

Em tom de conclusão, João Sousa relembra que: “a única coisa que nós queremos, enquanto SF/AAC e grupos da Academia, é sermos respeitados e que exista um conhecimento por parte da organização das condições necessárias para que estes organismos consigam trabalhar da melhor maneira”. Úrsula Ventura reforça esta ideia, ao reiterar que “As FANS continuam a achar que não foram tão valorizadas como outros grupos teriam sido”. Em resposta, Matias Correia lamenta a situação, mas acredita que os incidentes “não vão reduzir a adesão ao evento” e, discordando com o proferido no comunicado da SF/AAC, não acha que “as atividades tradicionais, apesar de terem um menor foco, estejam num estado de descaimento”.

“A única coisa que nós queremos, enquanto SF/AAC e grupos da Academia, é sermos respeitados e que exista um conhecimento por parte da organização das condições necessárias para que estes organismos consigam trabalhar da melhor maneira”

João Sousa, presidente da SF/AAC

To Top