Cultura

Arte para tratar a “tosse”, prescrita por Dr. Ragnar

Tiago Paiva

Artista islandês Ragnar Kjartansson opta por cidade de Coimbra para exibir sua mostra. Carlos Antunes descreve exibição como “poderosa, emocional e hipnótica”. Por Tiago Paiva e Miguel Santos

A exposição “Não sofra mais”, da autoria de Ragnar Kjartansson, incluída na Bienal Anozero, está presente no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, em Coimbra, desde 14 de abril até 16 de julho. Entre “Visitors”, “God” e “A Lot of Sorrow”, Kjartansson manipula os cinco sentidos através de elementos hipnóticos, irónicos e representantes do real. Segundo o diretor do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), Carlos Antunes, o espaço onde se insere esta obra é “uma das chaves do sucesso para a exposição”. O título da iniciativa é inspirado no ‘slogan’ dos rebuçados “Dr. Bayard”.

A obra de entrada, “Me and my Mother”, descreve a relação tensa e complexa que o ser humano tem com a figura maternal, através de um cenário simplista entre o autor e a sua mãe, em que a última cospe de forma sistemática para a sua cara. O artista islandês explora também a ideia de que, na época popular, “muitas das crianças eram deixadas às entidades religiosas para serem cuidadas dentro dos seus edifícios”, interpreta Carlos Antunes. Acrescenta ainda que, na “roda dos rejeitados, é difícil compreender se esse ato passa por amor ou rejeição da mãe”.

A exibição “God”, marcada pelo contraste entre tonalidades e comportamentos, coloca a frase “sorrow conquers hapiness” na mente dos ouvintes, após a sua visualização. O criador assume o papel de vocalista de uma orquestra e, ao repetir a mesma frase centenas de vezes sobre a mesma melodia, causa no espectador um “transe hipnótico”, como refere a nota descritiva da obra.

Obra “God”

Ragnar Kjartansson, com “The Visitors” (eleita obra de arte mais relevante do século XXI, pelo ‘The Guardian’) e restantes elementos da exposição, enriquece a experiência entre as suas obras e quem as consome, transmitindo “consciência para com os protocolos da vida”, completa o diretor da CACP. Para o mesmo, o artista “molda os sentidos com uma grande mestria, e é isso que lhe dá renome”.

Carlos Antunes preza Ragnar Kjartansson como um artista “muito singular, claramente do século XXI, como em poucos é evidente”. Justifica esta clareza com a “jovialidade” do artista de 47 anos, cuja maturidade é, na totalidade, “pós-moderna”. Completa ao considerar que “não é preciso ser um iniciado em arte contemporânea para ser tocado pelas suas obras”. Expõe que o que diferencia Kjartansson é a “abrangência da capacidade emocional da sua arte”, e confirma que esta iniciativa é “assumidamente moderna”.

Quanto à adesão, Carlos Antunes descreve-a como “extraordinária”, uma vez que “esta seja talvez a exposição com mais público que a CAPC organizou” e que mais “impressiona as pessoas”. Tal deve-se à “dimensão do artista”, arrisca o mesmo, e completa ao referir que conhece “gente da arte contemporânea que tem escrito que esta foi a exposição mais bonita que viu na vida”.

O diretor declara que “Ragnar inscreveu Coimbra no Circuito Internacional de arte contemporânea”, pois “muitas pessoas são atraídas para a cidade, inclusive vindas do estrangeiro”. Consolida a importância deste mosteiro para a arte, visto que a estrutura arquitetónica “criou uma sede única com condições ímpares” e que o próprio Ragnar apelida como “a mais desafiante do mundo para este género artístico”.  Destaca ainda que “Coimbra tem de ter ambição internacional, pois nunca se pode estar refém da cidade onde se vive”.

Por fim, Carlos Antunes ressalva e lamenta a possibilidade de a exposição poder ser interrompida mais cedo devido ao edifício dar lugar a um complexo hoteleiro, ainda que nada se encontre confirmado. Quanto ao assunto, expõe a seguinte perspetiva: “o Convento de Santa Clara-a-Nova quer-se como um lugar de exclusão ou inclusão?”.

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