Ensino Superior

Alberto Martins recorda como a palavra pode mover montanhas

Clara Neto

Celebrações da Crise Académica de 1969 trazem antigo presidente à Sala 17 de abril e recorda momento em que pediu palavra. Ex-dirigente da DG/AAC profere: “quando a juventude desce à rua, é o futuro que se levanta, por isso, que o futuro se levante”. Por Clara Neto e Sofia Variz Pereira

A Associação Académica de Coimbra (AAC) comemorou, esta segunda-feira, o momento que deu início à Crise Académica de 1969, na Sala 17 de abril do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (UC) . O evento contou com a presença do presidente da Direção Geral/AAC, João Caseiro, do presidente da DG/AAC de 1969, Alberto Martins, do secretário de Estado do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Pedro Nuno Teixeira, e do reitor da UC, Amílcar Falcão.

João Caseiro abriu a sessão, intitulada “Peço a Palavra”, com o intuito de relembrar aquilo que foi a Crise Académica de 1969. Tendo em conta esse facto, o atual presidente da DG/AAC aproveitou as circunstâncias e desabafou: “hoje, 17 de abril de 2023, podemos dizer que ainda não temos a palavra”. Foi depois de proferir um discurso à volta da insatisfação dos estudantes face ao Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), que João Caseiro entregou ao secretário de Estado um documento rasurado pela AAC com novas propostas. Considera o documento “arcaico e obsoleto, cuja revisão peca por tardia”.

Alberto Martins, presidente da DG/AAC em 1969, regressou à Sala 17 de abril onde, há 54 anos, pediu a palavra num contexto de ditadura. Foi com o discurso “peço a sua excelência, senhor presidente da República, para falar nesta sessão”, que se iniciou a luta ativa dos estudantes contra o regime.

Para o antigo presidente da DG/AAC, o passado de 1969 mereceu-se porque “fez, e continua a fazer parte, de um projeto de futuro”. Recordou o momento com honra: “eu era mais do que eu próprio, era o resto da academia”. Se, de um lado, se ouviu a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), a gritar “fora, fora”, do outro, ouviu-se um “aplauso brutal” dos estudantes que o fez “voar”, recordou. Alberto Martins achava que ia ser preso no momento, o que disse não ter acontecido “devido à força dos estudantes”.

Contudo, nessa mesma noite, os estudantes foram comemorar para a AAC o feito, onde Alberto Martins é preso e os restantes estudantes são agredidos, referiu. Para ele, a Crise Académica só começou “a sério” de madrugada com o movimento de massas, que diz ter sido “único”. Algo que não esquece é a força dos estudantes, em que 86 por cento dos alunos fez greve aos exames, em risco de chumbar o ano e de bolsistas perderem a sua bolsa, por exemplo. Considera este marco, em Coimbra, como “o afluente rio da história que passou no 25 de abril”.

O secretário de Estado do Ensino Superior ilustrou a celebração desta data como “um momento de memória e evocação” e que sem o seu reconhecimento, enquanto sociedade, não existe futuro. Acrescentou que cabe à universidade o papel de preservar essa recordação e que faz parte da sua identidade a capacidade de reflexão, “como em nenhuma outra instituição”. Pedro Nuno Teixeira frisou que “o 17 de abril foi um passo fundamental para o 25 de abril”, e agradeceu a todos os que arriscaram a sua vida e o seu futuro “para que se possa hoje viver em liberdade e democracia”.

Durante a geração de Alberto Martins “falavam todos menos os estudantes, os que são de facto o centro da universidade”, desvendou Pedro Nuno Teixeira. Para o político, hoje os estudantes têm voz, mas não “a representatividade que gostavam de ter, em alguns aspetos”. Acredita, assim, ser importante que o “Peça a Palavra” tenha iniciado com a intervenção de João Caseiro: “para marcar, de uma forma clara, a diferença entre este tempo que vivemos e o que a geração de Alberto Martins experienciou”. Realçou ainda que persiste na revisão do RJIES uma “representação significativa dos estudantes nos órgãos de governo das instituições de ensino superior”.

O reitor da UC começou a sua intervenção por se dirigir aos alunos: “as universidades existem graças aos estudantes, claro que temos outras atividades e a missão não se esgota aí, mas são vocês que trazem novas ideias, que têm o futuro pela vossa frente”. Além disso, destacou a importância em ter uma DG/AAC ativa, reivindicativa e crítica. Quanto ao último ponto defendeu que “não há problema nenhum, está tudo certo”, já que, nas suas palavras, deve “saber-se ouvir e tentar acompanhar as mudanças”.

Amílcar Falcão revelou que não leu a proposta de alteração do RJIES, entregue ao secretário de Estado do Ensino Superior: “nem conheço, mas quero que fique claro que o reitor da UC apoia esta moção, por ser um documento da AAC”. Terminou por elogiar a criação do canal de denúncia da AAC, que acredita que vai ter mais sucesso do que os da UC e acha “fundamental que isso aconteça”.

“A palavra pode mover montanhas”, na ótica de Alberto Martins. Fez referência, além disso, aos problemas atuais, que não considera que sejam menos difíceis do que os da sua época. Falou do combate às desigualdades e da vontade de um pacto social ecológico e democrático mais forte. Assim, terminou o seu discurso com aplausos: “quando a juventude desce à rua, é o futuro que se levanta, por isso, que o futuro se levante”.

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