Ensino Superior

Revisão do RJIES “Já Era”?

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Movimento estudantil Nacional revela “profundo descontentamento” face à comissão criada para revisão e pretende revogação de despacho governamental. João Caseiro refere “exclusão sem precedentes e falta de consideração”. Por Luísa Macedo Mendonça e Simão Moura

O Despacho nº764/2023 do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), divulgado segunda-feira, dia 16, prevê a criação de uma comissão com o objetivo de avaliar a aplicação do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES). A Associação Académica de Coimbra (AAC) é uma das entidades que se posicionam contra a formação da comissão que o despacho vem anunciar, a par de várias associações de estudantes do país, com o Movimento Estudantil Nacional “Académicas”. Foi apresentada uma carta aberta à Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, em contestação ao conteúdo do despacho por revelarem “extrema desconfiança” face à comissão que o documento propõe tanto por via dos seus integrantes, como do modo como as associações tomaram conhecimento do conteúdo do mesmo.

No dia 17 de janeiro, a página oficial de instagram da AAC anunciou ainda o movimento “Já Era!”, que vai avançar com medidas de protesto “até ser feito algo em concreto que vá ao encontro da reivindicação de participação da Academia na discussão do RJIES”, declara o presidente da AAC. O dirigente garante que “há um plano a ser definido para que o movimento se expanda”.

Os motivos do descontentamento

A revisão do RJIES tem sido um dos tópicos que têm marcado a ordem do dia da AAC. Em dezembro de 2022, a ministra Elvira Fortunato comprometeu-se a desencadear a revisão do RJIES num regime de “discussão aberta com o envolvimento das instituições de ensino superior, dos membros da comunidade académica, representantes da sociedade civil, associações de estudantes e sindicatos”.

No dia 16 de janeiro foi, no entanto, publicado o designado despacho onde é já dada a conhecer a comissão responsável pela revisão. A AAC, em conjunto com outras onze associações estudantis divulgou, em resposta à publicação do documento. Trata-se de uma carta aberta ao MCTES na qual é espelhado o “espanto” coletivo do movimento estudantil pela colocação em causa do “compromisso anunciado pela ministra de que este seria um processo público e participado”. Deste modo, o movimento pretende a revogação do atual despacho e criação de “uma comissão verdadeiramente independente constituída por elementos indicados pelas estruturas representativas do setor do Ensino Superior”, como se pode ler na publicação das “Académicas”, partilhada na página oficial da AAC.

O presidente da Direção-Geral da AAC, João Caseiro, especifica o desagrado do movimento estudantil que se prende pelo facto da comissão “ter sido feita de uma forma muito pouco transparente e com muito pouca auscultação, senão nenhuma”. Ainda que a presidente da Federação Académica do Porto (FAP) e o representante da Federação Nacional das Associações de Estudantes de Ensino Superior Politécnico (FNAEESP) sejam integrantes da comissão, são-no devido à sua participação no Conselho Nacional de Estudantes e não como representantes das suas associações, relembra João Caseiro. 

O dirigente lamenta também que as entidades signatárias da carta tenham tido conhecimento desta iniciativa apenas pela publicação do despacho, não tendo tido qualquer tipo de abordagem, quer formal, quer informal, por parte de nenhum membro do ministério. Para além disso, demonstra “preocupação” com a escolha de certos membros que, ainda que não queira nomear quem, têm ideias que “vão contra os princípios básicos de Associações como a AAC” publicadas em textos de opinião. “A maneira como foi criada esta comissão é uma falta de consideração pelo Ensino Superior como um todo”, conclui o dirigente.

O que pretende o movimento estudantil?

A carta elaborada pretende a revogação do despacho e a elaboração de uma nova comissão através de um processo em que exista a auscultação de entidades, quer das associações académicas e federações, como o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP). Posto isto, João Pedro Caseiro lamenta que essa auscultação não tenha existido, o que considera ter sido “muito ingrato para os que andam há 16 anos a fazer propostas concretas para a melhoria do ensino superior público para a revisão do RJIES”. Revela ainda profundo descontentamento pela “exclusão sem precedentes e falta de consideração”.

Face à exclusão da FAP da carta das “Académicas”, o estudante declara que a federação não foi contactada para ser signatária, uma vez que considera “não ser do interesse deles fazê-lo”. De acordo com João Caseiro, “em momento algum houve contacto da parte da pessoa nomeada na comissão a informar que isto ia acontecer, mesmo tendo estado com ela algumas vezes depois de já ter tomado conhecimento”. Assim, garante ter contactado “aqueles que foram realmente colocados de lado no processo”.

Possíveis efeitos da carta aberta

O presidente da AAC declara que vai esperar cerca de uma semana por uma resposta do Governo, ainda que não queira definir prazos concretos. “É uma questão de cordialidade e respeito para connosco, porque já que não foi tido antes, tem que ser tido agora”, expressa.

Para João Caseiro, o movimento nutrir os efeitos pretendidos consiste em ser dada a oportunidade aos representantes do Ensino Superior de serem ouvidos “numa mesa com o poder político onde exista a oportunidade de, pelo menos, propor mudanças de alterações ao atual RJIES”, por via do diálogo. No entanto, deixa claro que não vai aceitar uma “audição pública aberta a qualquer cidadão” e explica que “se o poder político não nos atribuir legitimidade para participarmos de forma tão direta nestas decisões, também não o queremos fazer de uma forma que não seja digna daquilo que é e foi o trabalho do movimento estudantil”.

Na eventualidade de a carta aberta não produzir os efeitos desejados, João Caseiro explica que este trabalho reivindicativo vai continuar a ser desenvolvido em conjunto com as associações e federações estudantis envolvidas. Desta forma, pretendem mostrar que “o movimento estudantil está unido e consegue apresentar propostas concretas para a revisão do RJIES”. O presidente da DG/AAC descreve como este processo devia ter sido “público, acessível e universal”, e que a Académica vai continuar a lutar para ser incluída.

“Creio que só fica bem ao Governo ouvir os representantes estudantis e manter uma relação cordial, funcional e institucional”, adianta o dirigente, que descarta a possibilidade de estas ações prejudicarem a relação do movimento estudantil com o Governo. Conclui ao dizer que os signatários da carta e, neste caso, a AAC, vão estar sempre disponíveis para dialogar com o Governo “em prol de um ensino superior melhor, de um Portugal melhor e de um país mais desenvolvido”.

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