Desporto

A maratona do estudante atleta

Gabriela Moore

Número de desportistas reconhecidos reduz durante a pandemia. Estatuto do estudante atleta não dá resposta a diferenças entre desportos. Por Sofia Ramos

No plano estratégico definido pela Universidade de Coimbra (UC) para o período entre 2019 e 2023, um dos pilares é o aumento do número de estudantes atletas. A meta previa uma resposta ao terceiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU – saúde de qualidade. Ainda este ano, a UC foi classificada pelo terceiro ano consecutivo como a instituição de ensino superior mais sustentável de Portugal, pelo ‘The Times Higher Education Impact Rankings’. No entanto, entre 2019 e 2021 o número de alunos desportistas reconhecidos pelos estatutos reduziu de 145 para 128.

Estatutos do estudante atleta

O estatuto do estudante atleta, assim como o de estudante praticante desportivo de alto rendimento, tem como objetivo ajudar a “compatibilizar a carreira académica com a carreira desportiva”, explica a diretora adjunta do Estádio Universitário de Coimbra, Filipa Godinho. A atribuição destes estatutos pela UC prevê vantagens como preferência na escolha de turmas, justificação de faltas, alteração de momentos de avaliação e acesso a época especial. No entanto, “na prática é um bocadinho mais difícil”, afirma o vogal para a política desportiva na Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Diogo Evangelista. “Nem sempre todos os professores têm essa plasticidade” e há situações em que “os estudantes têm que fazer escolhas”, acrescenta.

O treinador de Atletismo da AAC, Francisco Fachada, aponta a sobreposição de horários e momentos de avaliação como o maior problema que os estudantes enfrentam. “Existe uma dissociação entre aquilo que é o desporto e aquilo que é o percurso académico”, critica o treinador. Compara ainda os direitos atribuídos entre os dois estatutos, frisando as vantagens que o atleta de alto rendimento tem, aos quais os outros estudantes atletas não têm acesso. Francisco Fachada acredita que “tem que se desenvolver um escalão abaixo dos atletas de alta competição”, para dar resposta a esta fase evolutiva do percurso.

Existe uma dificuldade em “enquadrar as várias vertentes das várias modalidades” num só diploma regulamentar, explica Filipa Godinho. A diretora adjunta destaca situações como o Basquetebol, onde “a liga até é mais competitiva que o campeonato nacional”, no entanto, a classificação neste é o ponto de referência para a atribuição do estatuto.

Requerer o estatuto como atleta fora do desporto universitário pode também ser um desafio em modalidades como o Futebol. Este problema é pronunciado em Coimbra pois “os estudantes atletas que estão na Associação Académica de Coimbra/Organismo Autónomo de Futebol (AAC/OAF) não têm integrado a equipa universitária”, expõe a diretora adjunta. A inclusão destes estudantes têm que ser feita através do desporto federado, sendo que os mesmos “têm que ficar no primeiro terço da tabela do campeonato nacional absoluto”, clarifica. Filipa Godinho retrata como estes critérios chocam em modalidades como o Futebol, pois tendem a corresponder a equipas seniores na primeira divisão, o que não se reflete na AAC/OAF.

Pedro Rodrigues, estudante de Biologia e ex-jogador da AAC/OAF, conta como não conseguiu obter estatuto, mesmo com contrato com o clube. Existiam “vários colegas de equipa na mesma situação, todos concorreram e nenhum foi aceite”, expõe. O atleta acredita que “tinha feito toda a diferença” sendo que “jogava várias vezes por semana”. A colega de curso, Andreia Eliseu, praticante de Atletismo, a quem foi atribuído estatuto considera o mesmo “uma grande ajuda para conseguir treinar todos os dias”.

Filipa Godinho justifica a ocorrência das incompatibilidades referidas, com o facto do “estatuto ser único e feito para todas as modalidades”. Assegura, no entanto, que estas situações “já estão sinalizadas” no Observatório de Desporto da UC e que se encontram a procurar soluções para “enquadrar as mesmas no regulamento”. Alerta ainda que o objetivo “é que os estudantes estejam incorporados nas equipas universitárias”. A diretora adjunta estende que “tem que haver um trabalho por parte da DG/AAC, juntamente com a AAC/OAF, no sentido de encontrar o melhor modelo para integrar estes estudantes”.

Impactos da pandemia

“A pandemia trouxe uma nova realidade em termos de gestão da carga horária por parte dos clubes”, afirma o treinador Francisco Fachada. A atleta Andreia Eliseu informa que, praticando um desporto individual e ao ar livre, e por estar envolvida com uma equipa local, não sofreu um grande impacto no seu desempenho. Em contraste, Pedro Rodrigues descreve efeitos na prestação como equipa, sendo que as restrições “acabaram por afetar tanto a performance física como a forma de estar”.

O vogal da DG/AAC, Diogo Evangelista, explica que “muito por causa da pandemia, algumas modalidades deixaram de poder ser praticadas ou realizadas de forma livre”. Ainda assim, acredita que estes números “agora vão ter tendência a subir”. Destaca o trabalho feito pela AAC nas matrículas para captação de novos estudantes para o desporto universitário. Filipa Godinho relata que este ano “o número de competições aumentou de forma exponencial”, e que isto tem vindo a criar algumas dificuldades. Reforça ainda o papel que a UC teve em “sensibilizar as unidades orgânicas” e em manter os estatutos, mesmo com as restrições.

A realidade atual

“Hoje existe uma maior compreensão para aquilo que é o trabalho do atleta estudante”, reconhece o treinador de Atletismo. Acredita que “as coisas estão melhores”, mas assegura que “podem melhorar mais”. A atleta Andreia Eliseu lamenta que, em períodos onde tem mais avaliações, ter que optar por não competir. Ainda assim, salienta que “é possível treinar todos os dias e ter boas notas, assim como conseguir conciliar com a vida boémia e acadêmica”.

Este ano, na UC, estão reconhecidos 29 estudantes atletas de alto rendimento, enquanto que “em 2018 eram 12”, celebra Filipa Godinho. Apesar das limitações criadas pela pandemia, a diretora adjunta acredita que a UC “teve um papel fundamental” em permitir a continuidade de treinos e facilitar o acesso às aulas de forma remota. Menciona também atividades com o corpo técnico, grupos de férias desportivas e os Jogos Universidade de Coimbra (JUC), como fatores relevantes para a avaliação obtida no ‘ranking’. Atesta ainda que “nos JUC envolvem-se mais de quatro mil pessoas da comunidade académica, que treinam e jogam com regularidade”, sendo que só este ano correspondem a mais de mil horas de atividade física. Filipa Godinho garante que está a “trabalhar com os serviços académicos no sentido de facilitar o processo de requerer o estatuto atleta” e no auxílio das questões que o envolvem.

To Top