Cultura

“Discurso sobre o Filho-da-Puta” no palco do Teatro Estúdio Bonifrates

Daniel Oliveira

Sessões do espetáculo entre 6 e 9 de abril. Peça critica sociedade contemporânea através da comédia. Por Daniel Oliveira

A Companhia Teatro da Rainha realizou esta quarta-feira uma encenação da obra “Discurso sobre o Filho-da-Puta”, de Alberto Pimenta. O espetáculo, que decorreu no Teatro Estúdio Bonifrates, deu vida a um texto caracterizado pela crítica aos fundamentos da sociedade portuguesa.

A apresentação da peça em Coimbra vem no seguimento de duas digressões da companhia de teatro já efetuadas nas Caldas da Rainha e em Lisboa. A adaptação do texto de Alberto Pimenta inseriu-se no projeto que o diretor artístico da Companhia Teatro da Rainha, Fernando Mora Ramos, descreveu como um “reportório” que escolhe textos “com base em desígnios artísticos, políticos e cívicos”.

Para além disso, de acordo com o também encenador, o grupo dedica-se a adaptar obras que não têm uma teatralidade evidente, pelo que as encenações que efetuam são de cariz experimental. É o caso de “Discurso sobre o Filho-da-Puta”, que, para o diretor artístico, se trata de “uma das maiores criações literárias portuguesas da segunda metade do século XX”.

A motivação de trabalhar este texto partiu da vontade de “expor um conjunto de aspetos, de modo rigoroso, acerca daquilo que se entende por condição genética do país”, explicou Fernando Mora Ramos. Acrescentou que a obra faz essa exposição “de uma forma diagnóstica e extremamente apurada acerca da nossa propensão para a sacanagem e incapacidade de transparência, que vem de uma cultura muito marcada pelo salazarismo”.

O diretor artístico considera que, apesar de vinculado à época salazarista, o texto de Alberto Pimenta mantém uma crítica atual. A obra faz “uma viagem por aquilo que de pior caracteriza a escola, a prisão, o mundo administrativo, o governo e o modo como as pessoas competem de forma feroz, muitas vezes nada transparente”, comentou.

Para Fernando Mora Ramos, o trabalho desenvolvido pela companhia de teatro para adaptar o texto foi “muito surpreendente”. Explicou que “descobriu-se que esta é uma peça musical, e o segundo passo foi perceber, porque não é referido na obra, que poderia ser posta em cena por um quarteto de cordas vocais”. Foi por isso que o grupo convidou Miguel Azguime, figura de relevo para a música contemporânea portuguesa, para dirigir a composição musical da peça.

O encenador referiu também que a potencialidade teatral e musical do texto foi reconhecida por Alberto Pimenta, quando o autor assistiu ao espetáculo em Lisboa. Essa vocação da obra, segundo Fernando Mora Ramos, pôde ser explorada no Teatro Estúdio Bonifrates, que, devido à sua constituição arquitetónica, dá ao espaço “uma acústica de capela”.

De acordo com o diretor artístico do grupo, as digressões da companhia de teatro para esta peça têm tido muita adesão. “As pessoas que vão ver ficam um pouco chocadas, no bom sentido”, constatou. A sessão no Bonifrates não foi exceção, com o público a interagir através do espanto e dos risos, despertados pela comicidade da representação.

A identificação com as críticas presentes na obra de Alberto Pimenta também se manifestou na reação da plateia aos vários momentos do espetáculo. “Cada um descobre num determinado momento da sua vida que é ou que já foi um pequeno ou grande filho da puta”, reiterou Fernando Mora Ramos. Sublinhou também que, “apesar de o texto ser centrado num diagnóstico das estruturas de conformação, é também dirigido a cada um”.

As sessões de “Discurso sobre o Filho-da-Puta” vão continuar nos dias 7, 8 e 9 de abril, no mesmo local, com início às 21h45. O quarteto de cordas vocais da peça é composto por Cibele Maçãs, Fábio Costa, Marta Taveira e Nuno Machado.

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