Ensino Superior

Conflito Ucrânia-Rússia: “História, memória e futuro” em debate na BGUC

Mateus Rosário

Geopolítica e nacionalismo foram destaque no debate. “O tempo da guerra para a Rússia é mais longo que o tempo febril evidenciado pela comunicação social”, referiu José Manuel Pureza. Por Cristiana Reis e Mateus Rosário

A situação entre a Rússia e a Ucrânia esteve em discussão, esta quarta-feira, na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC). A iniciativa “O conflito russo-ucraniano. História, memória e futuro” teve início às 18 horas na Sala de São Pedro e contou com a participação do Major-General João Vieira Borges, José Manuel Pureza e Vitaliy Venislavskyy. 

O evento teve início com a intervenção do diretor da BGUC, João Gouveia Monteiro, moderador do debate, que demonstrou dúvidas sobre o fim da guerra ao observar a fragilidade da ordem internacional. O professor da Faculdade de Letras da UC (FLUC) referiu que “o ser humano continua a não ser capaz de interiorizar que a guerra é uma calamidade” e reconheceu que a globalização permite “denunciar o mal em tempo real”.  O moderador fez um incentivo final ao demonstrar o papel das universidades nesse contexto. “Há que investir na formação humana dos nossos jovens e alunos”, apelou João Monteiro. 

Em modelo de mesa-redonda, José Manuel Pureza, professor e investigador da Faculdade de Economia da UC (FEUC), abriu o debate ao introduzir dois elementos de interpretação do conflito. Para o docente da FEUC, ao utilizar as expressões do ex-ministro da defesa brasileiro, Celso Amorim, existe uma “onda curta” e uma “onda longa”. A primeira trata-se da invasão e “agressão injustificada que desrespeita a ordem internacional”, enquanto a segunda se deve à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ao leste europeu”. De acordo com José Manuel Pureza, esta é uma “guerra que coloca em choque duas visões imperiais” ao refletir sobre dois entendimentos: por um lado, a interpretação da Ucrânia como “Estado tampão entre a Rússia e os Estados à esquerda da Ucrânia” e, por outro, a cultura existente no Kremlin da ideia nostálgica da superpotência russa, a “Mãe Rússia”. 

A história e memória que conectam o passado e o presente

O investigador refletiu sobre a importância da história recente dos dois países para a compreensão do conflito e destacou a evolução dos discursos nacionalistas de Kyiv e do Kremlin. José Manuel Pureza elencou algumas causas para a amplitude da narrativa nacionalista ao identificar “o empobrecimento das sociedades, o crescimento das burguesias e o desgaste social”. O docente finalizou a sua intervenção a alertar que “numa guerra nunca há vencedores, todos perdem” e “o tempo desta guerra é, para a Rússia, mais longo que o tempo febril demonstrado pela comunicação social”. 

Vitaliy Venislavskyy, aluno de mestrado em História Militar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), focou-se também em destacar o papel da história e memória religiosa na relação entre os dois países. O estudante refletiu a origem da conflitualidade na concorrência das igrejas ortodoxas russa e ucraniana ao desenvolver sobre o não reconhecimento, por parte da Igreja Ortodoxa Russa, da autocefalia/autonomia da Igreja Ortodoxa Ucraniana. 

O Major-General, atual Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar (CPHM), João Vieira Borges, presente de forma remota, começou por relembrar o Inquérito realizado, em 2021, pelo Instituto de Defesa Nacional (IDN) sobre o sentimento de ameaças da população portuguesa. O presidente do CPHM apontou que o relatório evidenciou “um afastamento da população europeia face às ameaças existentes”. Entre as doze ameaças inquiridas, a guerra entre Estados ficou em penúltimo lugar. O Major-General chamou ainda a atenção para o papel da geografia, que “molda o poder, a política e o desenvolvimento social dos povos”. 

Fotografia por Mateus Rosário


O futuro 

João Vieira Borges destacou que “há condições para haver negociações desde que de um lado ou outro não optem pelo extremismo” e que “os conceitos estratégicos das superpotências são instrumentos explícitos de dissuasão dos opositores”. Por último, alertou para a importância da China no desenrolar do conflito e o redesenhar das atitudes das organizações internacionais, sobretudo do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) que, hoje em dia, “permite a participação de infratores”. O ensino da História tem papel de destaque na visão de João Vieira Borges, ao refletir para “a não promoção do ódio nas escolas”. 

O evento contou com uma ronda de perguntas e respostas, com a participação da audiência, onde foram abordadas questões sobre o tratamento da comunidade russa na Ucrânia e o papel que os ‘media’ exercem no desenvolvimento do conflito. “A manipulação da informação é ainda mais visível em tempos de guerra”, destaca o Major-General. Já João Manuel Pureza refletiu sobre ser a “primeira vez que os conteúdos são transmitidos pelo lado do agredido, algo invulgar”. 

Em resposta ao Jornal A CABRA, José Manuel Pureza refletiu sobre a migração do regime autocrático para o totalitarismo na Rússia. Em virtude das recentes atividades do parlamento russo ao aprovar uma lei que pune até 15 anos de prisão quem divulgar notícias falsas sobre o conflito, o docente da FEUC apontou a “evidente deterioração da Federação Russa”. De acordo com o investigador, isto pode levar “ao asfixiamento dos direitos, liberdades e garantias por parte de um regime autocrático”. Contudo, evidenciou a presença de reflexos de resistência pela liberdade de expressão. 

Para Luís Augusto, estudante de Mestrado em História na FLUC, e Samuel Pereira, estudantes da Licenciatura em História na FLUC, o evento serviu para aprofundar o tema, por existir “superficialidade e simplismo nas notícias”. Daniel Govorova, aluno da mesma licenciatura, entende que a sessão permitiu tratar este tema de uma forma “mais cuidadosa e académica”. O estudante acredita que Portugal “deve continuar a receber cidadãos ucranianos, atender às necessidades e dar apoio emocional a quem o necessite”. 

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