Razões pandémicas e logísticas apontadas como principais motivos para o regime de avaliação remoto. Estudantes não se sentem ouvidos pela FDUC. Por Joana Carvalho, Catarina Magalhães e Simão Moura
Joana (nome fictício), aluna de quarto ano da licenciatura de Direito, estava em casa, com o computador ligado para dar início ao seu exame. Perto do momento da entrega, a plataforma UC Student acusou dificuldades devido à sobrecarga exercida pelo elevado número de pessoas que estavam a tentar submeter o seu exame. Joana contactou de imediato a docente, que acedeu à entrega da prova. Contudo, admite que “caso fosse outro professor não tão acessível, que é a maioria, a prova não seria aceite”.
Este foi um dos muitos testemunhos que chegaram ao Jornal A CABRA e que ilustra mais uma época de exames da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) envolta em controvérsia. Os alunos foram notificados através de uma publicação do Instagram da própria instituição de que o primeiro período de avaliações iria decorrer de forma remota. Entre falhas de internet, problemas na plataforma e taxas de reprovação acima dos 70 por cento, a época de exames da FDUC promete ser tudo menos aborrecida.
Do primeiro ao quarto ano, os problemas revelam ser transversais às várias cadeiras da licenciatura. Júlia (nome fictício), estudante de quarto ano, recorda o caso da unidade curricular de Direito Penal III. Devido às possibilidades de entrega oferecidas pela plataforma, houve alunos que “tiraram fotografias aos exames” escritos à mão e fizeram ‘upload’, mas estes não foram contabilizados. Júlia critica o facto de situações como esta não estarem previstas no regulamento. A solução apresentada a esses casos omissos, após uma reunião entre o Núcleo de Estudantes de Direito da Associação Académica de Coimbra (NED/AAC) e a direção da FDUC, que teve lugar no dia 1 de fevereiro, é a permissão de fazer uma prova oral, como se de uma falha da plataforma se tratasse.
No caso de Miguel (nome fictício), aluno de primeiro ano, foi possível ainda realizar um exame antecipado de forma presencial. Neste sentido, o estudante defende o regime de avaliação presencial, uma vez que “o regime online tende a acarretar mais desafios e consequências para os alunos”. Relata também uma situação em que “o próprio docente” assumiu que iria “ter de dificultar o exame devido ao risco de plágio”, bem como “ser mais exigente” na correção. Já Sofia (nome fictício), estudante de segundo ano, queixa-se da extensão dos exames e da sua dificuldade, bem como dos critérios “exagerados”. Além disso, a aluna refere que nem todos os docentes disponibilizam os critérios de correção.
Apesar de todos os problemas suscitados pelo regime de avaliação à distância, os estudantes que integram o Conselho Pedagógico da FDUC dinamizaram um inquérito para auscultar a vontade da comunidade estudantil sobre como deveria decorrer a época de recurso. O resultado foi uma maioria representativa de 63 por cento de estudantes que preferiram manter o regime online.
Para Maria João Almeida, aluna de primeiro ano, esta percentagem foi “surpreendente”, pois em conversa com os colegas teve sempre a impressão de que o modelo presencial era preferido. Assim, motivos como “estar mais perto da família” parecem-lhe “inadequados”, enquanto justificação para manter um regime à distância. Já Josué (nome fictício), aluno de terceiro ano, vivia na mesma bolha de Maria João. Na sua opinião, “o regime online, em qualquer curso, não traz benefícios nenhuns”.
Júlia confessa que, em conversa com os seus pares, havia uma preferência pelo regime online por uma questão de “estabilidade”. A estudante de quarto ano aponta para o caso de estudantes deslocados, em que a presencialidade das avaliações poderia revelar-se uma dificuldade acrescida, como um outro motivo válido para manter o modelo que já tinha sido imposto no início da época de exames.
Problemas e soluções em debate
Gonçalo Lopes, estudante do quarto ano e membro do movimento Resiste Agora, acredita que a verdadeira razão de esta época de exames estar a decorrer de forma remota deve-se à falta de preparação da própria FDUC, “patente na falta de professores vigilantes”. O Resiste Agora foi criado há mais de um ano e pretende reivindicar “os direitos mais basilares possíveis dos estudantes”, desde o acesso aos critérios dos exames à melhoria das condições da própria faculdade.
O estudante considera que não existe uma “real liberdade de escolha”, no que diz respeito ao inquérito pedagógico. Justifica pelo facto de, face a outras épocas de exames presenciais já em pandemia, ter havido estudantes a “acabar exames com as mãos roxas ou a ficarem doentes”, já que as janelas e portas das salas tinham de estar abertas para a circulação de ar.
Francisco Dinis é aluno de terceiro ano e membro do Conselho Pedagógico. Na qualidade de mero estudante, Francisco comenta que o principal problema do regime à distância se prende com a plataforma UC Student: “a pressão de saber que a qualquer momento pode haver algum problema causa stress e prejudica a saúde mental” dos estudantes. No entanto, reconhece como vantagem o não ser necessária a preocupação com possíveis contágios ou surtos. Apela ainda a uma “maior compreensão”, uma vez que “alguns docentes continuam a colocar entraves aos estudantes”.
Joaquim (nome fictício), de quarto ano, considera que a FDUC, ao dificultar mais os exames e, na sua opinião, a distanciar-se mais dos alunos, “demonstra mais uma vez que o prestígio da faculdade nada mais é do que um mito urbano”. Salienta o caso de colegas que, como ele, são finalistas, e correm “o sério risco” de ter de ficar mais um semestre por uma mera decisão administrativa. Questiona ainda a interpretação dos resultados do inquérito pedagógico, uma vez que “não havia qualquer tipo de referência ao número ou ao nome do estudante” no momento da resposta.
NED/AAC e direção da FDUC unem-se para encontrar respostas
Em declarações ao Jornal A CABRA, Maria Vasconcellos, presidente do NED/AAC, faz um balanço “negativo” desta época de exames, que ainda está a decorrer. “Começaram-se a multiplicar as transgressões ao regulamento pedagógico, na medida em que os critérios de correção não eram divulgados, as mostras de prova não eram feitas e as próprias taxas de reprovação estão em plena incongruência com o artigo 131º. do Regulamento Académico da UC”, explica.
No dia 4 de fevereiro, o NED/AAC levou a cabo uma reunião de plenário, que teve um quórum de 119 pessoas, a fim de fazer um balanço da época de avaliações. A presidente do NED/AAC afirma que foi possível redigir um documento reivindicativo “bastante composto”, no qual são abordados vários temas, com especial relevância a época de exames, a necessidade de se fazer avaliação contínua e repartida e o insucesso escolar. Da discussão e debate que surgiu foram levantadas novas reivindicações, como “a fiscalização de taxas de reprovação acima de 70 por cento, a adoção de medidas para a disponibilização de critérios de correção e consulta de provas”, bem como a “delineação de um plano para o sucesso pedagógico”.
Em relação à atuação do NED/AAC, os estudantes entrevistados expuseram a sua opinião. Sofia considera que “eles têm de fazer aquilo a que se comprometeram, que é ouvir os estudantes, o que não estão a fazer, de todo”. Já Maria João Almeida acredita que “estão a fazer o máximo que podem” e que o que se passa na FDUC é uma “sabotagem aos estudantes”. Gonçalo Lopes defende que, no geral, “o NED/AAC tem estado bem” na ação que tem tomado”. Recorda que, numa fase inicial, “se preocuparam com os estudantes e de imediato pediram uma reunião com a direção da faculdade”.
Maria Vasconcellos defende uma posição “um bocadinho mais equilibrada”, dado que “a intenção é defender os estudantes, não hostilizar a faculdade ou a direção”. A dirigente associativa, contudo, afirma que “se os estudantes tivessem proposto uma ação de rua, o NED/AAC nunca teria problema em apoiar esses estudantes”. Reforça ainda a importância de os estudantes se manterem “interventivos”.
Em resposta ao jornal A Cabra, o diretor da FDUC, Jónatas Machado, justificou a decisão de fazer os exames em regime remoto com a disparidade entre o número de docentes e alunos em certas cadeiras, bem como o risco de surtos que, através dos isolamentos, poderiam “prejudicar os alunos ao longo de todo o ano, por uma espécie de efeito dominó”.
Quando questionado sobre a dificuldade das provas e as elevadas taxas de reprovação, o diretor explicou que estas se devem à preocupação dos docentes de garantir a “credibilidade científica da avaliação”. Segundo Jónatas Machado, isto é conseguido através da elaboração de “provas o mais possível blindadas à fraude”. O diretor da FDUC acredita que não se pode “deixar que se instale na opinião pública a ideia de que a pandemia deu azo a facilitismos no ensino superior”, dado que “seria prejudicial para o futuro profissional dos estudantes”.
Jónatas Machado compromete-se a procurar “soluções razoáveis e exequíveis”, e diz que a direção vai sempre atuar em conjunto com o NED/AAC e o Conselho Pedagógico. Para além de considerar estes organismos fundamentais, o diretor mantém que estes se têm mostrado “realistas, responsáveis, competentes, atentos e construtivamente críticos”, algo que o deixa satisfeito“pelo que representa para a FDUC, para a UC e o país”.
