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Cabeças de lista por Coimbra debatem pelo futuro da região

Jorge Botana

Saúde, habitação e ferrovia foram temas basilares da discussão. Círculo eleitoral de Coimbra elege nove deputados. Por Jorge Botana e Catarina Magalhães

O auditório da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra foi o local que acolheu o debate entre os cabeças de lista dos partidos com assento parlamentar, na noite de 26 de janeiro. Organizado pelo Jornal A CABRA, a Rádio Universidade de Coimbra (RUC) e a Televisão da Associação Académica de Coimbra (tvAAC), em parceria com a AAC, durante quase três horas de discussão ouviram-se críticas, mas também propostas para a região e o país. 

Orlando Monteiro da Silva, candidato pela Iniciativa Liberal (IL), inaugurou a conversa com uma crítica à “estagnação económica do país”, além da emigração “forçada dos jovens”. Por sua vez, Paulo Ralha, cabeça de lista do CHEGA, não deixou de referir uma das bandeiras do partido: o combate à corrupção. Além de, na sua intervenção, defender que o seu partido “não é xenófobo, nem racista”, mas que pretende um “estado de direito igual para todos os portugueses sem exceção”. 

Na representação do LIVRE, Rui Mamede destacou a “transição energética” que “peca por tardia”. De seguida, João Fontes da Costa, cabeça de lista do Pessoas-Animais-Natureza (PAN), criticou o “modelo económico” que, na sua opinião, “propaga a emergência climática”. Desta feita, João Almeida, representante do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP), defendeu que o seu partido “não é monotemático” e criticou a “utopia” da esquerda, como “gerar riqueza sem a ter”. 

Manuel Pires da Rocha, candidato pela Coligação Democrática Unitária (CDU), começou por relembrar que a eleição de dia 30 de janeiro é “para deputados e não para Primeiro-Ministro”. Na mesma linha, José Manuel Pureza, cabeça de lista do Bloco de Esquerda (BE), reforçou a mensagem. Assim como sublinhou a vontade de garantir “um deputado que não alinha em blocos centrais”. 

No final das intervenções iniciais, o Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Socialista (PS) ficaram para último. Mónica Quintela, candidata pelo PSD, refere que o seu partido “governou sempre depois de períodos difíceis” e criticou a ligação do PS ao BE e PCP. A atual Ministra da Saúde e cabeça de lista do PS, Marta Temido, assinalou que as “garantias” do seu partido “são as mesmas com que sempre se apresentou aos portugueses”. Além de frisar o objetivo de atingir o “valor de 900 euros, até 2026, de Salário Mínimo Nacional”. 

Covões e nova maternidade marcam tom do debate

O debate, dividido em quatro blocos, começou focado na questão da saúde em Coimbra, com o desmantelamento do hospital dos Covões e a fusão dos hospitais do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) a marcar as intervenções. Sobre a situação dos Covões, o candidato do BE, José Manuel Pureza, defendeu dotar o centro hospitalar de uma “alternativa virtuosa” que “resgate as valências” perdidas com a fusão do CHUC e assegurou que “defender o Serviço Nacional de Saúde (SNS) passa, em Coimbra, por reforçar a atenção primária”. 

O candidato do LIVRE, contrário também ao desmantelamento, pediu que a prometida maternidade não seja um “novo Metro Mondego”, em relação ao programa de transportes na cidade, que continua ainda hoje sem ser concretizado. Na mesma linha, Manuel Pires da Rocha (CDU) assegurou que a fusão do CHUC “foi realmente muito má” e propôs “robustecer o SNS contra a externalização dos serviços”. Para o PAN, segundo o seu candidato João Fontes de Costa, a solução passa por “devolver a dignidade aos Covões”, “com a transferência de consultas externas” e outros serviços para aliviar o trabalho do CHUC. 

No lado da direita, Jorge Almeida (CDS) defendeu que se tomem “decisões bem fundamentadas”, para melhorar o funcionamento do CHUC, e apelou à importância de reforçar os “cuidados médicos”, quer a nível público ou privado. Também se pronunciou Orlando Monteiro da Silva, da IL, que defendeu a necessidade de “proporcionar aos conimbricenses um acesso rápido, célere e eficaz” à saúde. Além disso, Paulo Ralha (CHEGA), propôs “reverter a fusão do CHUC” e “aumentar o número de unidades de saúde locais”.

O reforço da atenção primária nas vilas da região também foi defendido pela candidata do PSD. Mónica Quintela acredita na necessidade de ”criar serviços que não venham causar perturbação na urgência” e pediu para se “devolver a dignidade ao CHUC”. Já na intervenção mais esperada desta parte do debate, a atual ministra da Saúde e candidata do PS, Marta Temido, defendeu a fusão dos hospitais e acreditou na existência de “um plano estratégico apresentado ao Ministério da Saúde” para melhorar os serviços do hospital. Aliás, assegurou que a localização da nova maternidade, anunciada para o espaço do CHUC, foi “a melhor decisão para dar resposta a mães e crianças”. 

Habitação social e eficiência energética 

O assunto da habitação marcou também uma parte do debate. Orlando Monteiro da Silva, representante pela IL, pronunciou-se primeiro sobre este tema e defendeu “políticas mais liberais e menor carga fiscal” para conseguir “preços suportáveis” na habitação. Nesta linha falou também o representante do CDS acredita na “isenção de impostos na aquisição e arrendamento de vivendas para jovens” como medidas a tomar. 

Por outro lado, o candidato pelo BE, falou da ideia de o Estado “assumir a reabilitação de casas abandonadas” e “limitar o alojamento local em zonas urbanas”. Também a CDU defendeu a intervenção estatal como “única forma de temperar o clima especulativo”. Em contraponto, o porta-voz do CHEGA acredita que se deveria “enfrentar a carga burocrática exagerada” que marca a construção de habitação e “regular prazos para a emissão de licenciamentos de obra”. 

Do lado do PSD, Mónica Quintela defendeu um programa de habitação baseado na “sustentabilidade ambiental, social e económica” e na criação de “um Sistema Nacional de Habitação”, que pretende alavancar rendas acessíveis e mais residências de estudantes. Para Marta Temido (PS), a solução passa por “apoiar o cooperativismo”, “responder a carências” e “garantir o acesso da população vulnerável à habitação”. 

Por sua vez, o representante do LIVRE focou o seu discurso na “grande lacuna” que, no seu ponto de vista, “existe em relação à eficiência energêtica”. Rui Mamede defendeu assim a “reabilitação” de um “parque habitacional degradado e antigo”. Nesta mesma linha, o PAN acredita na necessidade de estabelecer “sistemas de produção de energia verde na habitação” para lutar contra a “pobreza energética”, que afeta 25% da população em Portugal. 

(Des)centralização 

A regionalização e a descentralização foram alvos de discórdia entre os diferentes partidos. O representante do PAN foi o primeiro a pronunciar-se e alertou para a necessidade de “trazer o cidadão para a decisão” e de haver “responsáveis eleitos e não nomeados”. Destarte, o partido defende um referendo para a regionalização, mas apenas após a “alteração da lei referendária”, que confira um caráter vinculativo. Em contraponto, o CHEGA assume-se contra a regionalização. Paulo Ralha apontou que, “quando se fundem organismos, em Portugal, duplicam-se cargos e gastos”, além de acrescentar “burocracia”. 

Rui Mamede, pelo LIVRE, recordou as potencialidades do teletrabalho e a possibilidade de os municípios do interior atraírem estes profissionais. “Mais do que subsidiar a transição das pessoas, é perceber que há um ganho na continuação da paisagem rural e urbana”, assinalou. O ainda deputado pelo BE, José Manuel Pureza, defendeu que “a pior perversão é a de municipalizar políticas, sem dotar os municípios dos meios municipais e humanos para essas políticas”. Sublinhou, sobretudo, a necessidade de se “respeitar as populações e o conhecimento dos territórios”. 

Manuel Pires da Rocha começou por afirmar que “a descentralização não é mais do que uma desresponsabilização”, além de, como o cabeça de lista do BE, criticar a ausência de meios. Numa das parcas referências ao setor, o representante da CDU ressaltou o papel da cultura “para a coesão territorial”. Já Orlando Monteiro da Silva sublinhou a importância de “devolver e aproximar o poder às pessoas”. De forma sumária, avançou uma das propostas da IL: a instituição do Salário Mínimo Municipal. 

O CDS afirmou-se contra a regionalização, uma vez que “vai criar uma nova camada de funcionários públicos” e o país “não aguenta mais despesa pública”. Marta Temido mostrou-se “preocupada pela desconfiança na eleição de cargos políticos” e criticou os partidos que, como o CDS ou o CHEGA, referiram o “aumento de gastos” e “mais ‘tachos’”. A cabeça de lista do PSD assumiu ser a favor de uma melhoria dos serviços públicos, desde que “não represente um aumento de encargos”

O tema do chumbo da mudança do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo para Coimbra resultou numa troca de acusações entre alguns dos presentes. Enquanto o representante da IL classificou o chumbo como o “rasgar da descentralização”, Mónica Quintela assegura que é uma questão a que o PSD pretende regressar. A representante do PS refere que o partido votará a favor da mudança, assim que “haja estudos” que corroborem. 

Jorge Botana

Aposta na ferrovia reúne consenso

Uma das questões que acolheu concordância entre os vários partidos foi a ferrovia e o investimento no comboio como alternativa. A reivindicação da passagem do comboio de alta velocidade na região foi também um dos pontos em comum. Enquanto o representante do PAN defendeu a “ferrovia como meio de transporte público preferencial”, Mónica Quintela sublinhou as vantagens “ambientais e ecológicas”.  

O cabeça de lista do LIVRE começou por referir a proposta de um “passe global que articule os meios de transporte individuais e coletivos”, bem como alertou para a importância de que “os horários sirvam os das pessoas”. Na sua opinião, o contestado Metro Mondego é um “‘downgrade’” e que vai levar a que a “população não fique servida”. Orlando Monteiro da Silva foi mais longe e classificou como “quase anedótico o que se passa na ferrovia em Coimbra”, após criticar as promessas do atual governo em relação ao MetroBus. 

A representante do PS reconheceu que, “projetos como o Metro Mondego levam demasiado tempo”. Contudo, assume que se vai tornar numa “realidade”. Em resposta, Paulo Ralha do CHEGA apontou “os estudos prolongados” que tornam custos do MetroBus “demasiados”. Asiim, para o partido, o ideal seria “regressar à ferrovia” e defendeu, inclusive, o “reforço da linha”, entre Coimbra e Figueira da Foz. Já João Almeida do CDS frisou a necessidade de “reverter o recuo” da diminuição da linha, e admitiu que o partido é “favorável ao investimento na ferrovia”. 

Manuel Pires da Rocha criticou o abandono das linhas, e recordou que a ferrovia é uma das ferramentas do passado “que mais tem implantação no futuro”. Sublinhou também a importância da estação nova que “é uma porta de entrada para a Europa” e traz “vitalidade” à Baixa da cidade. Por sua vez, o representante do BE alertou que “deixar degradar as situações o mais possível legitima soluções que não são as melhores”, ao recordar a degradação dos eixos das linhas. Termina com a crítica a uma “grande miopia financista”. 

O apelo final

Marta Temido encetou as mensagens finais da discussão com um aviso: “não há consensos, quanto muito, aparentes consensos” e crê que as diferenças entre partidos são “claras”. Por sua vez, Mónica Quintela deixou críticas à governação do PS e à “geringonça”, mas também apelou à gestão “segura e rigorosa” do Plano de Recuperação e Resiliência.

Por seu lado, José Manuel Pureza definiu como um dos combates “fundamentais”, como deputado e do BE, o “esvaziamento dos Covões”. O cabeça de lista da CDU argumentou que um voto na coligação é “seguro” e em defesa do “ensino superior, cultura e desporto”. O candidato do CDS classificou Coimbra como a “capital das obras inacabadas”. Assim,  assinalou que o seu partido pretende “inverter o ciclo de esquecimento a que o PS tem condenado o distrito”.

João Fontes da Costa do PAN destacou o caráter “animalista e ambientalista” do partido. Já o cabeça de lista do LIVRE reforçou a vontade de “fazer parte de uma solução”, apesar da pressão do “voto útil”. O representante do CHEGA apelou à “mudança” de um “sistema”, que considera “esgotado”. Orlando Monteiro da Silva da IL defendeu a necessidade de “uma alternativa, não de uma alternância”. Na sua intervenção, lançou o repto final ao PSD, para saber “com quem anda”. 

Declarações ao Jornal A CABRA

Uma vez terminado o debate, as candidatas e candidatos partilharam com o Jornal A CABRA e os outros órgãos de comunicação da AAC as suas impressões. Marta Temido quis cumprimentar a organização e assegurou que o debate “permitiu aos candidatos apresentarem os seus planos e deixarem um apelo à população”. 

Para o candidato do PAN, a discussão foi “importante”, mas lamentou “não terem tido oportunidade” para falar de questões como o ambiente ou os direitos dos animais. Por outro lado, Manuel Pires (CDU) afirmou que “teria gostado de falar da vida universitária”, como as propinas e as residências, e achou “muito interessante” a iniciativa do debate. 

O cabeça de lista da IL considerou o momento “esclarecedor”, contudo comentou que o número de participantes dificultou a interação. Defendeu o programa do seu partido como a “proposta amiga de quem quer investir, das empresas e de quem trabalha por conta própria”. 

A candidata do PSD, Mónica Quintela, aproveitou também para dar “os seus parabéns” à moderação (Gonçalo Pina (RUC), Pedro Domingues (tvAAC) e Tomás Barros (Jornal A CABRA)) e agradeceu a “equidade” dos tempos e “a pertinência” das questões colocadas aos diferentes candidatos.

As eleições terminam no dia 30 de janeiro. A AAC entregou um caderno reivindicativo aos candidatos, onde defende, por exemplo, “uma diminuição da propina um progressivo caminho rumo à propina zero”. Nas últimas eleições legislativas, foram eleitos cinco deputados do PS, três do PSD e um do BE. 

Atualizado às 17h45

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