Artista captou intemporalidade de Coimbra através da componente de não datar imagens. Obra representa uma “abordagem mais pessoal e com uma carga mais nostálgica” da cidade. Por Inês Rua
“Coimbra B” é o projeto fotográfico de Bruno Silva, iniciado em 2018 e com a última exposição ocorrida no passado mês de outubro, na galeria Adorna, no centro do Porto. O fotógrafo imortaliza, com um conjunto de 27 fotografias, uma perspetiva da cidade onde viveu de 2005 a 2007.
Foi durante o período que morou em Coimbra que o seu gosto pela arte da fotografia emergiu. Na sua residência, partilhada com estudantes, Bruno Silva fez da casa de banho um laboratório onde revelou os seus primeiros rolos a preto e branco. Recorda como “foi dos anos mais felizes” que teve na sua vida.
O projeto teve início no âmbito da bolsa atribuída ao fotógrafo pelo prémio ESTAÇÃO IMAGEM, no primeiro ano em que o evento começou a ocorrer em Coimbra, em 2018. Foi no ensaio “A Problemática da Saudade” de Joaquim de Carvalho, antigo professor na Universidade de Coimbra (UC), e no livro “Coimbra e Arredores”, datado de 1927, que o fotógrafo encontrou a inspiração para a proposta que apresentou na sua candidatura. Luís Vasconcelos, diretor do prémio ESTAÇÃO IMAGEM, explica que o júri é sempre internacional e que este “entendeu que, das propostas à bolsa, aquela que tinha mais hipótese de ser interessante era a do Bruno Silva”.
O projeto agora com o nome de “Coimbra B”, também designação da estação de comboios, o artista elucida que “a partida e o regresso estão intimamente ligados à identidade da cidade”. Neste sentido, realça que “é um dos seus grandes paradigmas: um ponto de passagem onde muita gente não se fixa”. Embora mencione o lado crítico do seu trabalho, considera que “é muito mais importante o seu lado atmosférico”.
As histórias que nos contam de Coimbra, sob as mais variadas formas de arte, são tocadas quase sempre só pelo lado A de uma cassete: mostram-nos a cidade turística, onde “aprende-se a dizer saudade” do Mondego, da Universidade, da Capa e Batina dos estudantes e das pedras da calçada da Baixa. Bruno Silva vem mostrar um lado B desta narrativa, sem descurar a beleza da cidade e de toda a sua simbologia que “se vê nos postais”.
Com um trabalho fotográfico de Coimbra diferente do habitual, o artista deixa claro que não tem “nada contra a história, nem contra os monumentos de Coimbra”. Considera que “fotografar a torre da universidade já está bem documentado para as próximas décadas”, pelo que quis com este projeto adotar uma “abordagem mais pessoal e com uma carga mais nostálgica”. Assim, o seu objetivo não foi fazer “um retrato fiel e fidedigno de Coimbra”, mas antes “quase um diário” que nunca teve tempo de escrever que no tempo que aqui residiu.
O fotógrafo revela que uma das coisas mais difíceis deste trabalho foi não datar as imagens, através da ocultação de elementos que indicassem o período de tempo, “por isso é que não se vê nenhum carro, nenhum telemóvel”. Embora realce que corre “o risco de perder alguma leitura do trabalho”, manifesta que ganha “intemporalidade”, que é isso que “hoje está ligado à cidade de Coimbra”.
“Todas as fotografias tiveram sempre uma motivação”, confessa. Com a imagem de um álbum aberto, captada na República Solar des Kapangas, o autor teve a intenção de representar o seu trabalho enquanto “um portador de memórias”. O retrato de Valdemar Caldeira, antigo professor da UC, perpetua o espírito de uma pessoa que “a certa altura decide doar tudo para a caridade e viver dos recursos mínimos”. O artista partilha que “faleceu uns meses depois de tirar a fotografia, mas tem uma história muito importante em Coimbra”.


À procura de representações, Bruno Silva fotografou uma porta na Faculdade de Medicina numa analogia que transparece que, para si, “a cidade nunca se fechou mas que também não estava aberta totalmente”. Já a fotografia de uma estudante a fazer a espargata à chuva não só ilustra “as maluqueiras dos estudantes”, como também capta o Jardim da Manga, enquanto local histórico e ponto de encontro dos alunos.


O fotógrafo realça que não pretendeu “falar de Coimbra como uma coisa decadente com os estudantes caídos pelo chão”. Explica, por isso, que “Coimbra é uma cidade belíssima, com uma arquitetura muito forte e os próprios estudantes fazem parte dessa paisagem”.

Bruno Silva incluiu um autorretrato nesta obra. Na altura em que desenvolveu este trabalho, fez 36 anos e “36 anos era super simbólico, porque representa o final de um rolo”. Conclui, assim, que “representa um final de um ciclo. Além disso, esta fotografia é o 36.º fotograma do rolo”.


