António de Sousa Ribeiro alerta para constante banalização do Holocausto que pode gerar repetição da História. Projeto “MemoMarranos” pretende combater hostilidade através do estudo de indivíduos de origem judaica. Por Beatriz Monteiro Mota
A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) atribuiu financiamento a dois projetos da Universidade de Coimbra (UC). “O Holocausto em português: um repositório dinâmico de recursos educativos” e “MemoMarranos” têm o objetivo de promover informação sobre este acontecimento e a história de Portugal.
Diretor e investigador do Centro de Estudos Sociais da UC (CES), António de Sousa Ribeiro, está a liderar o projeto “Holocausto em português: um repositório dinâmico de recursos educativos”, que recebeu um financiamento de cerca de 32 mil euros. Segundo o diretor, este valor “é muito modesto para um projeto com o período de um ano” e “não implica remunerações para os investigadores envolvidos”. No entanto, mostra-se confiante quanto ao desempenho e aos resultados futuros e realça que “sem financiamento, o projeto não seria possível”.
António de Sousa Ribeiro explica que esta iniciativa se insere num programa novo, criado pela FCT, direcionado para projetos que tenham o Holocausto como tema. Um dos parâmetros obrigatórios para a participação consiste “na disponibilização dos resultados como recursos educativos”, menciona. No total, a FCT definiu uma verba de 200 mil euros para financiar seis projetos, entre os quais, dois da UC, esclarece.
“MemoMarranos” é o nome do projeto conduzido por João Paulo Avelãs Nunes, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares da UC (CEIS20) que, por sua vez, recebeu um financiamento de 34 mil euros. O também professor da Faculdade de Letras da UC, destaca a importância deste apoio em duas vertentes. Numa primeira, refere a maior capacidade “de fazer viagens, contratar pessoas, reproduzir material e traduzir os textos com mais rapidez e qualidade”. Por outro lado, menciona a “necessidade de os projetos se submeterem a financiamento competitivo para uma maior valorização no seio da comunidade científica”.
O projeto pautado pelo tema do Holocausto visa, segundo António de Sousa Ribeiro, oferecer aos educadores e professores interessados em trabalhar o tema “acesso a um sistema de informação ampla e sistematizada, disponível online numa base de dados”. Além da página ‘web’, a iniciativa vai contar com um ‘workshop’ e um manual de introdução ao tema, com cerca de 400 páginas, com textos originais traduzidos para português. Esta disponibilização vem responder a uma “grande carência no acesso sistemático a fontes de informação sobre o tópico”, desenvolve.
“A investigação sobre questões de violência, traumas, memória e de como dar voz a vítimas e sobreviventes” são apontadas pelo diretor do CES como algumas das questões centrais que o Holocausto transporta até à sociedade contemporânea. Realça também a importância do estudo deste marco “numa tentativa sistemática de o compreender, porque não é apenas local ou conjuntural, mas um problema que viaja até ao presente”.
Na visão de António de Sousa Ribeiro, o tópico não é desconhecido, contudo, sofre de “uma constante banalização”. “Ignorar a história é correr o risco de a repetir”, remata. Além disso, explica que o Holocausto “oferece instrumentos para perceber e criticar o discurso populista, xenófobo e racista”. Refere que projetos de investigação como este representam um combate ao silêncio e geram “discussão pública no contexto de temas tão relevantes para a compreensão das dinâmicas sociais, tanto dos anos 20 e 30, como atuais”.
“MemoMarranos” dá visibilidade a “uma realidade pouco conhecida”, os Marranos, que, segundo João Paulo Avelãs Nunes, representam o conjunto dos cristãos novos, ou seja, os judeus obrigados à conversão ao catolicismo. De início, o termo “Marrano” foi criado com a função de insultar, contudo, acabou por “se tornar num emblema”, explica.
As circunstâncias levaram estes indivíduos a “perder o contacto com grande parte da cultura judaica e a um consequente um isolamento”, esclarece o professor. Assim, o projeto ambiciona a seleção de documentos que possam identificar evidências da presença dos Marranos “em Portugal, Espanha e no antigo Império Português, como o Brasil e as colónias africanas”. Numa iniciativa futura e de maior dimensão, com a duração de três anos, está previsto “trabalhar essa documentação e produzir uma biografia coletiva dos Marranos”, informa.
João Paulo Avelãs Nunes enumera os três objetivos fundamentais do projeto. “O desconhecimento potencia a hostilidade, pois causa medo, desprezo e discriminação”, por isso, o primeiro objetivo passa por combater estes comportamentos ao fomentar o conhecimento deste grupo. Em segundo lugar, a iniciativa pretende “que os próprios Marranos se conheçam e percebam que fazem parte de uma realidade ampla”. Por fim, procura “enriquecer o país do ponto de vista lúdico, cultural, económico, estratégico e diplomático”.
