Estudo mostra que indivíduo da época pós-medieval sobreviveu graças aos cuidados da comunidade. Coordenador destaca empatia e compaixão como estruturadores da humanidade. Por Ana Haeitmann e Inês Rua
A investigação coordenada por Francisco Curate, antropólogo da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), e Nathalie Antunes-Ferreira, antropóloga do Instituto Universitário Egas Moniz, revela uma nova perspetiva antropológica sobre a sociedade portuguesa pós-medieval. A análise de esqueletos encontrados em 2018, no adro da antiga Capela do Espírito Santo de Bucelas, perto de Lisboa, levou à descoberta do cuidado humanitário prestado a um indivíduo com lesões graves, imprescindível à sua sobrevivência.
De acordo com Francisco Curate, as características corpóreas deste indivíduo apontam para alguém de meia idade e com múltiplas fraturas que ocorreram ao longo do tempo, as quais prejudicaram gravemente a sua qualidade de vida. “Realizar tarefas, como alimentação, higiene e trabalho, era algo que a pessoa estaria inapta devido à sua capacidade motora limitada”, conta o antropólogo. A equipa de investigadores constata que a sobrevivência deste homem foi possível através de cuidados médicos e pessoais por parte da comunidade, a qual escolheu não abandoná-lo.
Embora em estudos de cariz antropológico não seja possível aferir com exatidão as causas dos múltiplos traumatismos, o coordenador da investigação destaca que os mesmos podem estar “relacionados com a sua vida profissional, mas também outras características sociais do período”. A par da violência estrutural sobre a população mais pobre, nos séculos XVII e XVIII, a zona de Bucelas era conhecida pela sua atividade vinícola, pelo que o alcoolismo e a agricultura seriam, consoante os pesquisadores, razões compatíveis com as lesões do sujeito. Os resultados desta investigação, centrada neste indivíduo, foram publicados no International Journal of Osteoarchaeology.
Como contributo do estudo deste esqueleto, a equipa de investigação realça que veio reformular a ideia de que o passado é unidimensional. Segundo Francisco Curate, empatia e compaixão são características fundamentais para a construção social, tal como veio demonstrar esta investigação. O estudo das escavações foi financiado pela FCTUC, pelo Instituto Egas Monis e pela Universidade Nova de Lisboa e, conforme o antropólogo, pretende terminar ainda este ano. No entanto, “a análise antropológica está sempre aberta a novas interpretações e descobertas”, complementa o investigador.
