Numa altura em que Vítor Oliveira estava na sua segunda passagem pela Académica, o Jornal A Cabra conversava com o “rei” das subidas e analisava o momento da briosa e os problemas do futebol português. O mítico treinador que não deixou ninguém indiferente partiu no último sábado e tornou o futebol português mais pobre. É através da entrevista registada na edição 101 que se recorda a memória de Vítor Oliveira enquanto técnico da Académica.
Após a saída de Dário, o treinador da Académica afirma que está atento aos novos valores e revela a sua opinião acerca dos casos que assolam o futebol português. Por Vítor Rodrigues e Oliveira e Rui Pestana.
Depois de em 1997 ter “subido” a Académica ao topo do futebol português, Vítor Oliveira regressa a uma casa que atravessa graves dificuldades financeiras. Nos balneários da Briosa falou-se dos bastidores do espetáculo e da equipa que agora enfrenta o desafio da manutenção.
No final do jogo das Antas afirmou que a Académica terá de ser diferente. Como será a sua Académica?
O que temos de mudar em relação ao jogo das Antas é que não podemos ser subservientes em campo algum. Nós na primeira parte das Antas fomos subservientes. E a Académica por filosofia, pela qualidade do plantel, pela exigência da própria massa associativa e adeptos não pode ser subserviente em campo algum. Essa Académica não queremos. Queremos uma Académica que lute pelos três pontos em qualquer campo, embora saibamos que há jogos que são muito difíceis. Um bom exemplo foi o jogo com o FC Porto, dada a diferença de potencial entre as duas equipas. Queremos uma Académica ativa, viva, com gosto pelo jogo e que lute estoicamente.
A Académica vem de excelentes prestações fora de casa. Conseguindo melhores resultados em Coimbra, acha possível lutar por outro lugar?
Eu não diria de uma forma absoluta que não, mas o objetivo da Académica é conseguir a manutenção na Superliga. Se esse objetivo for conseguido cedo, a dez ou 12 jornadas do fim do campeonato, seria excelente e poderíamos reformular os nossos objetivos, para uma melhor classificação.
Era este plantel que escolheria se tivesse iniciado a época na Académica?
Provavelmente teria escolhido alguns jogadores que seriam mais do meu agrado, como é óbvio, e que estariam mais de acordo com aquilo que eu penso que deverá ser o futebol. Mas neste momento terei de rentabilizar estes jogadores e com certeza que muitos destes agradam a qualquer treinador, independentemente da sua filosofia de jogo.
O plantel é um pouco extenso…
Muito extenso. Atendendo a que há uma equipa B, a extensão do plantel da equipa A não augura um bom futuro para os jogadores da equipa B. Deveríamos ter menos atletas na equipa A de forma a que quando tivéssemos alguma lacuna pudéssemos recorrer à equipa B com mais frequência. A Académica B dará frutos se for bem estruturada, se o projeto for bem pensado e bem apoiado. Se tal não acontecer, é evidente que será um desperdício de dinheiro.
“As camadas jovens não têm o mínimo de condições para trabalhar”
De que forma pode o Vítor Oliveira ajudar as camadas jovens da Académica?
O treinador principal da Académica, seja ele quem for, não pode pôr a sua marca no futebol juvenil, porque as camadas jovens não têm o mínimo de condições para trabalhar. Trabalham em péssimas condições e os resultados estão à vista: nos últimos anos a Académica tem tido muito pouco retorno das camadas jovens. Não pela falta de qualidade em Coimbra, não porque tenha dificuldade em recrutar novos valores, mas porque os jogadores trabalham em condições mínimas que não contribuem para o desenvolvimento do futebol juvenil. Penso que os novos campos sintéticos do complexo do Bolão podem dar um salto qualitativo no futebol jovem da Académica. Só com condições, em termos de infraestruturas, é que podemos rentabilizar os miúdos que aqui aparecem.
Podem alguns jogadores da equipa B ter aproveitamento na formação principal?
Podem perfeitamente. Nós temos acompanhado com muito cuidado a Académica B e sabemos que há bons valores que podem “explodir” a qualquer momento. Temos jogadores que poderão ser acusados de demasiada juventude, mas, por outro lado, também têm muita irreverência, têm sangue na guelra e poderão ser úteis. Estamos a acompanhar com muito cuidado o percurso destes atletas de forma a que os possamos integrar na equipa principal sem qualquer problema. Nós aqui não fazemos distinção entre “Ás” e “Bês”, só queremos que joguem os melhores.
Com a saída do Dário, a equipa atravessa uma crise ofensiva. O substituto pode vir do mercado brasileiro? Talvez já em dezembro…
Neste momento ainda estamos a estudar hipóteses. Poderá vir do mercado brasileiro, de África e, obviamente, do mercado nacional.
E o Xano? Podia ser uma solução?
Não conheço o Xano, vi-o jogar só duas vezes. Não o conheço suficientemente bem para dizer se tinha lugar ou não.
Para contratar um jogador com a qualidade do Dário é preciso algum dinheiro…
Não conseguimos contratar um jogador como o Dário. No futebol português não abundam jogadores com a qualidade dele. Se calhar, era preciso muito mais dinheiro do que aquele que a Académica recebeu.”
Considera que o Dário foi vendido por pouco dinheiro?
Os aspetos financeiros não serão os mais importantes para mim, dado que é uma situação que me ultrapassa. Em termos desportivos foi um erro muito grande vender o Dário, e esse erro agrava-se pelo ‘timing’ em que foi vendido. Se fosse em dezembro, com certeza que nos daria a hipótese de minimizar a sua saída com uma substituição. Neste momento, vamos ter de jogar nove jogos importantíssimos sem ele.
A direção não teve esse aspeto em consideração?
Tiveram em consideração fundamentalmente o aspeto financeiro. Parece-me que esta verba é extremamente importante para o equilíbrio do clube. E quando assim é, não há nada a fazer.
Futebol viveu acima das possibilidades. O que fazer para superar a crónica falta de lucro?
Uma melhor gestão dos plantéis, uma melhor gestão do dinheiro gasto no futebol. Há que trazer mais gente aos estádios, aproveitar melhor os direitos televisivos, que poderão ser o grande suporte do futebol. Tudo isto proporciona mais receitas, tal como a gestão da imagem dos jogadores e do clube.
Entende que houve uma má gestão da anterior direção?
Não. Estou a falar de uma forma geral. Neste momento já se começa a sentir uma certa contenção, mas penso que o futebol viveu muito tempo acima das suas possibilidades. Pagava-se muito mais do que se podia. Hoje em dia, já se começa a apertar o cinto.
Como conseguir um equilíbrio entre mais receitas e mais apoio desportivo à equipa? Antes os estudantes entravam de capa e batina sem pagar. Acredita que com o novo estádio isto continue a verificar-se?
Em termos desportivos, nós gostamos de ter sempre o estádio cheio e se for cheio de juventude, tanto melhor. Vibramos mais com o jogo, os gritos das claques incentivam a equipa e há uma certa cor e alegria no ambiente. Mas em termos economicistas, o futebol é um espetáculo e qualquer espetáculo é pago em Portugal. Não vejo por que razão o futebol não há de ser pago. Mas aceito perfeitamente que haja preços distintos e que haja algum benefício económico para os estudantes, dado que o clube, na sua essência, representa a massa estudantil de Coimbra. Penso que deviam ter acessos privilegiados, mas, como espetáculo que é o futebol, toda a gente devia pagar.
“A Académica seria uma equipa despida se fosse a qualquer lado sem a presença da Mancha”
Nesse sentido, concorda que a Mancha Negra passe a pagar dois euros e meio para assistir aos jogos no novo relvado?
Eu não sei se a Mancha Negra deve pagar dois euros e meio ou um euro. Acho que toda a gente deve pagar nem que seja um preço simbólico. Também concordo que não se deva praticar preços exorbitantes porque neste momento a falta da Mancha seria um fator extremamente negativo para a equipa da Académica. A claque tem sido um apoio incondicional, não só em casa, mas fundamentalmente nos jogos fora. A Académica seria uma equipa despida se fosse a qualquer lado sem a presença da Mancha. Penso que à Mancha não chocará pagar um preço, ainda que simbólico, mas que legitime a sua presença nos estádios.
“A Académica está nas 14 melhores equipas nacionais”. Acha que se dá demasiada importância ao futebol em detrimento de outros desportos?
Não. É um pouco como a lei da oferta e da procura. As pessoas gostam de futebol e em Portugal este é o desporto-rei. Por conseguinte, tem a importância que as pessoas lhe dão. E em Portugal tem muita.
Há muito que se fala numa possível reestruturação da Superliga. Se o número de equipas no campeonato português baixasse para 14, a Académica teria possibilidades de se manter entre os grandes?
Eu diria que a Académica é um gigante adormecido. É um dos grandes do nosso futebol que neste momento está a atravessar uma situação conturbada. Se formos a escolher pelo seu prestígio, currículo, massa associativa, número de sócios, carisma e amor clubístico que o país de norte a sul tem pela equipa, a Associação Académica de Coimbra faria parte das 14 melhores equipas nacionais.
Outra transformação no futebol português passa pelo Euro 2004. O que pensa dos dez novos estádios?
Os dez estádios são um exagero! Com seis podíamos perfeitamente organizar um Europeu. Se calhar com o dinheiro dos outros quatro podíamos dar condições, em termos de infraestruturas, para o futebol juvenil, às equipas da Superliga e da Segunda Liga. E quer queiramos quer não, nós somos um país de exportação, nós exportamos jogadores e vivemos da formação. Essa aposta passa pela criação de relvados, balneários e por um aumento da qualidade dos formadores do futebol juvenil. Isso deveria ter sido fomentado com algum do dinheiro que, exageradamente, se gastou em estádios de futebol.
“Há uma grande promiscuidade entre os agentes do futebol, que conduz a situações menos sérias”
O futebol português tem muitos problemas?
Muitos. O problema da arbitragem é preocupante. Entre sorteios e nomeações, ninguém se entende e os erros são os mesmos porque as pessoas são as mesmas. Como algumas delas estão mal preparadas, os erros sucedem-se com demasiada frequência. Depois há uma grande promiscuidade entre os diversos agentes do futebol, o que conduz a situações menos sérias. Estou a falar de dirigentes, treinadores, jogadores, árbitros, toda a gente ligada ao futebol. E isto leva a que surjam estas histórias em que o futebol português é fértil. Os casos demoram demasiado tempo a ser julgados e um tribunal desportivo era extremamente importante para a credibilização do futebol. Chegámos ao caricato dos jogadores recorrerem de um castigo, cumprirem-no, e depois é que veem a sua pena levantada, como é o caso do McCarthy. Isto é ridículo!
“Num país de direito o Sanchez não seria treinador”. O que pensa de toda a polémica em torno do Sanchez e das qualificações do boliviano para treinar o Boavista?
Num país de direito o Sanchez não seria treinador do Boavista. Não tem habilitações para ir para o banco e isso é inquestionável. Existe uma portaria que regula esta situação. Houve um curso de quarto nível há três anos em Portugal, e ele não frequentou esse curso. Penso que a entidade patronal contornou a lei, algo que em Portugal é muito fácil. Quero ainda dizer que, em todo este processo, o Sanchez se tem portado com grande dignidade. Foi convidado por uma entidade patronal, que o suporta ilegalmente, e resta-lhe trabalhar e fazer o melhor que puder.
“O futebol não é um modelo de virtudes, tem muitas coisas más que seria urgente eliminar”
Acha que essa situação vai ficar impune?
Provavelmente, como ficam muitas no futebol. O futebol não é um modelo de virtudes, tem muitas coisas más que seria urgente eliminar o mais rapidamente possível para o podermos credibilizar.
A sua ida para o Boavista foi também muito falada…
Foi efetivamente muito ventilada, mas não passaram de rumores. Oficialmente, não houve qualquer contacto. Informalmente sim, tal como houve com outras equipas.
Pensa ficar a longo prazo na Académica?
O futuro no futebol é hoje. O futebol tem pouco passado porque as pessoas esquecem-se rápido. E o futebol tem pouco futuro porque a sua finalidade ainda são os resultados. Por conseguinte, para mim, o futebol é o presente. Essa é uma das razões pela qual assino sempre por um ano. E isso tem sido condição em todos os clubes por onde passo. Penso que é o mais vantajoso para mim e para as direções. Se estivermos satisfeitos, rapidamente chegamos a um acordo, senão também muito rápido se resolve o problema, porque após um ano deixa de haver vínculo.
Fala-se de que o abandono de Artur Jorge e a entrada de Vítor Oliveira estava previamente acordada com a direção. Confirma?
Desminto completamente. Eu fui contactado no dia 27 de agosto pelo Dr. João Moreno. Não havia qualquer contacto anterior e foi uma surpresa para mim.
Tendo em conta a Académica que treinou em 1996 e 1997 e a Académica de hoje, que diferenças encontra?
Encontro duas diferenças. Primeiro, em outubro, a generalidade da equipa tem os ordenados em dia, o que é extremamente importante e não era normal no tempo em que cá estive. A outra diferença é o campo do Bolão. Em tudo o resto não vejo diferenças.
Entrevista publicada na edição nº101 de 21 de outubro de 2003
