Cultura

A música popular como reacionário político

Xavier Soares

Arquivo de músicas criado permite estudo do colonialismo. Seminário mostra a que soa a resistência. Antónia Fortunato e Xavier Soares

Realizou-se esta tarde o segundo encontro do ciclo “Construir as epistemologias do sul”, no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC). Cristina Sá Valentim, investigadora no ‘Centre for Functional Ecology-Science for People and the Planet’ (CFE) da UC e Maria Paula Meneses, investigadora coordenadora do CES, apresentaram o tema “A que soa a resistência? Canções que desafiaram o colonialismo em Angola e Moçambique”.

Cristina Sá Valentim discutiu o contexto político e sociocultural do nordeste angolano nos anos 50 e 60, através da interpretação de músicas populares tradicionais da região. Segundo a investigadora, este folclore “impediu a extinção das culturas étnicas” da região. “As canções foram formas subtis, sem confrontação direta, de subversão ao colonialismo”, acrescentou.

A função de resistência foi suportada por Maria Paula Meneses, embora referente à realidade moçambicana. As músicas cantadas numa língua que não o português “mostram a sobrevivência da cultura e do sentido identitário de pertença“, explicou.  Desta forma, a investigadora do CES concluiu que as canções valorizavam a tradição e usam-na como forma de resistência ao colonialismo.

A investigadora coordenadora do CES revelou que, em Moçambique, antes da independência das colónias, as canções eram utilizadas como mensagens políticas impercetíveis aos colonizadores. “É nas músicas que se passa o desejo político a que a população reage”, confessou.

Em Angola, o trabalho forçado para a empresa de diamantes Diamang era, segundo Cristina Sá Valentim, um motivo de revolta. Como desafio ao colonialismo e ao trabalho forçado, aldeias inteiras chegaram a fugir como forma de protesto, exemplificou a investigadora do CFE. Assim, as canções populares tinham como principais temas a violência colonial e estratégias de resistência, elucidou.

Como explicado por ambas as investigadoras, as músicas analisadas pertencem a um arquivo elaborado pela ex-Companhia de Diamantes de Angola, Diamang e de gravações feitas pelos movimentos de libertação em Moçambique. Cristina Sá Valentim afirmou que “a música é um importante documento histórico”. Neste sentido, apontarou para uma utilização do arquivo, durante o Estado Novo, como “propaganda colonial” e forma de exercer poder.

No final do seminário, o livro “O Pluriverso dos Direitos Humanos: a diversidade das lutas pela dignidade” foi apresentado pelo professor Boaventura de Sousa Santos (Diretor Emérito do CES) e por Bruno Sena Martins (investigador do CES) . O próximo evento do ciclo de seminários, com o tema “Saúde Mental e Epistemologias do Sul: a valorização da experiência”, vai ser realizado no dia 18 de Março no CES.

Atualizado a 09/03/2020, às 00h42.

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