Ciência & Tecnologia

Como jogar às escondidas pode resultar em alergias

Fotografia gentilmente cedida por Centro de Neurociências e Biologia Celular

Alternaria infectoria “esconde-se” dentro de células e impede que se lance alarme imunitário. Investigação na UC procura perceber como fungos podem provocar alergias. Por Antónia Fortunato

O Observatório Nacional de Doenças Respiratórias indica que, em 2018, dez por cento dos habitantes em Portugal sofriam de asma. Esta doença pertence a um grupo de alergias respiratórias provocadas pela exposição a fungos, que também inclui a rinite alérgica. O grupo de investigação liderado por Teresa Gonçalves no Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra (UC) procura perceber como é que estes seres vivos estimulam o sistema imunitário e criam alergias, como esclareceu Chantal Fernandes, investigadora no laboratório.

O mais recente artigo do grupo analisou a interação entre uma espécie de fungo e um tipo de célula imune presente nos pulmões, os macrófagos, revelou a investigadora e  primeira autora do trabalho, Mariana Almeida. explicou que debaixo de foco ficou o fungo Alternaria infectoria, uma espécie ubíqua “que inalamos todos os dias”. “É um ser oportunista, pode causar alergias ou, em pessoas com o sistema imunitário debilitado, infeções graves”, completou Chantal Fernandes.

Mariana Almeida elucidou que, numa pessoa saudável, os macrófagos internalizam e eliminam as partículas infeciosas, e de seguida sinalizam as células em seu redor da existência de uma infeção. “No entanto, durante a invasão por Alternaria infectoria, as células imunitárias não conseguem digerir este invasor, que acaba por ficar dormente dentro da célula”, explicou.

De acordo com Teresa Gonçalves na ‘newsletter’ #9 da Faculdade de Medicina da UC (FMUC), a infeção por este fungo não permite que os macrófagos avisem as células vizinhas de que “há perigo” e acabam por servir de “reservatórios”. Chantal Fernandes evidenciou que “a permanência de partes do fungo dentro dos macrófagos resulta na sensitização gradual do organismo, o que causa as alergias”.

Neste artigo analisou-se a infeção por parte de uma estrutura específica da Alternaria infectoria, os esporos. No entanto, Chantal Fernandes revelou que o grupo também estuda a interação entre o sistema imunitário e os variados constituintes da parede dos fungos. Foca-se ainda nos mecanismos de resistência antifúngica que, tal como a resistência a antibióticos, tem vindo a piorar.

As principais causas identificadas pela investigadora para estas resistências foram o uso excessivo dos medicamentos, as baixas dosagens e o facto de os tratamentos não serem seguidos até ao fim. Mariana sublinhou que a resistência aos antifúngicos também pode ser criada na agricultura. As duas cientistas deixam assim um alerta.

Apesar da importância da descoberta, as investigadoras ressalvam que o trabalho é ainda preliminar. “Não se estudou o resto da maquinaria, como neutrófilos, células T ou células B, apenas a resposta dos macrófagos”, afirmou a primeira autora. Concluiu que para ter uma visão completa do processo é necessário estudar as interações entre células em modelos animais.

Teresa Gonçalves remata na ‘newsletter’ da FMUC que “desvendar  mecanismos de interação fungo-hospedeiro pode permitir novas estratégias terapêuticas”. Tendo em conta a grande incidência de alergias, a docente considera que a compreensão das respostas imunitárias pode ter impacto na qualidade de vida de grande parte da população que sofre destes distúrbios alérgicos.

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