Cultura

Guilherme Ala: “É um misto de orgulho e felicidade poder servir a academia”

D.R. (Grupo de Fado Capas ao Luar)

Guitarrista do Grupo de Fado Capas ao Luar, Guilherme Ala conta a sua experiência na Serenata Monumental. Desmente ainda o mito criado em torno da periodicidade com que se toca a Balada de Despedida do V ano Jurídico de 88/89. Por Paula Martins e Gabriel Rezende.

O silêncio veio e se tocou o fado. As guitarradas assinalaram mais um fim de ano letivo e, entre risos e lágrimas de saudade, muitos estudantes despedem-se da cidade que os acolheu. No momento mais alto da celebração, subiram as escadas da Sé Velha os Grupos de Fado Capas ao Luar e Ad Aeternum e agora, recordando este momento, o guitarrista Guilherme Ala fala sobre a emoção de integrar esta tradição.

Como foi participar num dos momentos mais importantes da Queima das Fitas?

É sempre um misto de sensações entre nervosismo e entusiasmo, porque se está a representar, não só a Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra (SF/AAC), como a academia e também grandes nomes que já passaram pela canção de Coimbra. É um entusiasmo ter esta oportunidade. Acho que qualquer pessoa que sobe as escadas para tocar sente a responsabilidade de manter uma tradição e ao mesmo tempo inovar. Este é o caso dos temas originais que são apresentados anualmente. É um misto de orgulho e felicidade poder servir a academia desta maneira.

Foi a primeira vez que tocaste?

Não. Nenhum dos grupos de fado tocou pela primeira vez. Faço parte do Grupo de Fado Capas ao Luar, que é o mais recente. A nossa primeira serenata foi da Festa das Latas 2017 e depois na Serenata Monumental do mesmo ano letivo. O Grupo de Fado Ad Aeternum, que é um ano mais velho que nós, tocou pela terceira e penso que última vez. Mas quando se sobe aquelas escadas é sempre uma sensação completamente nova.

Quanto tempo envolveu a preparação para esta serenata?

A preparação para a serenata é algo contínuo. Faz parte da responsabilidade dos grupos de fado renovar o seu reportório. Isto é, tanto escolher temas mais antigos como preparar os originais. Ao chegar o segundo semestre começamos a consciencializar-nos de que o grande evento se aproxima. Apesar de não termos tanta intensidade no início, pensamos, por exemplo, se há algo em especial que devemos tocar, ou se o ano marca alguma coisa e preparamos os temas. O último mês é a dar tudo. Inclusive, durante a Páscoa, os ensaios foram diários.

Quais as situações que podem marcar um ano?

Por exemplo, no ano passado, a serenata abriu com a canção Maio de 68, escrita em 1978 para assinalar a retoma das tradições académicas, como a praxe, que tinham sido interrompidas com a Crise Académica de 1969. No ano passado, como eram os 40 anos da mesma, abriu-se a serenata com esta canção. Este ano, como se festejaram os 50 anos da Crise Académica de 1969, decidiu-se abrir a serenata com o tema Cantar de Emigração. Apesar de ser um tema oriundo da Galiza, foi acolhido pelos estudantes de Coimbra e por intérpretes como Adriano Correia, entre outros. A canção relaciona-se com o ambiente que se vivia em pleno Estado Novo. Nem sempre há datas marcantes, mas quando há, tenta-se assinalar.

Achas que os temas originais da SF/AAC podem tornar-se conhecidos, como a Balada de Despedida do V ano Jurídico?

Eu gosto de pensar que sim. Já houve alguns temas que se tornaram conhecidos. No geral, as músicas apresentadas pelos grupos de fado têm grande qualidade. A preservação depende da divulgação que os grupos fazem.

Este ano tocaram a Balada de Despedida do V ano Jurídico. Há regularidade para a tocar?

Não, isso é um mito. Não existe uma regularidade para a tocar. Ainda há pouco ouvi de cinco em cinco anos, outras pessoas dizem de quatro em quatro. Mas na realidade, se formos ver, a última vez que foi tocada foi há seis anos. O objetivo da SF/AAC é todos os anos ter uma balada de despedida nova, ou, se for invocar outras antigas, não tem de ser necessariamente a do V ano Jurídico. Os grupos decidem levá-la talvez para dar um miminho à academia. Mas que se desmintam esses mitos que se criam.

As casas de fado têm-se tornado uma atividade lúdica para turistas. Como vês essa situação?

Este foi um tema debatido no mês do Fado do ano passado. É um facto a acontecer, mas a SF/AAC é algo independente disso, é feita por alunos e não tem a ver com as casas de fado. Mas cada pessoa tem a sua opinião. A SF/AAC prima por estar ligada à academia, à cidade e aos estudantes e é isto que mantemos.

Consideras que a população jovem se tem distanciado do fado no seu quotidiano?

Houve gerações em que o fado de Coimbra teve bastante importância. Tivemos gerações de ouro, desde os anos 1920. Depois, na altura do Zeca Afonso, as baladas surgiram e houve grandes grupos que ficaram imortalizados. É um facto que cada vez mais os jovens têm novas distrações. Antigamente, o estudante para se distrair vinha procurar estes espaços em que se toca fado. Há ainda bastantes alunos que gostam do fado de Coimbra. A exemplo disso, a Serenata Monumental, nem que seja pelo seu simbolismo, continua a ter o impacto que tem. Não concordo que seja algo tão extremo ao ponto de os estudantes se desligarem do fado de Coimbra. A academia hoje é maior. Mas isto depende também de quem representa o fado de Coimbra, das gerações presentes. Ainda assim há anos altos e anos baixos.

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