Cultura

Colômbia pós-guerra civil vista pela lente de Catalina Martin-Chico

Isabel Pinto

Após 53 anos de conflito na Colômbia, os campos de reabilitação de antigos membros das FARC assistem a um crescimento exponencial de nascimentos. A adaptação dos ex-militantes à vida civil trazida a Coimbra pela fotojornalista Catalina Martin-Chico. Por Isabel Pinto

Juntou-se às FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) com apenas 11 anos. Vítima de abuso sexual por parte do padrasto e expulsa de casa pela mãe, viveu na rua desde os sete. Esta é a história de Olga (nome de guerra), a figura feminina representada na obra vencedora do World Press Photo 2019, de Catalina Martin-Chico. Numa das exposições do Prémio Estação Imagem 2019, em Coimbra, a autora comentou algum do seu trabalho feito na Colômbia pós-guerra civil.

O primeiro obstáculo que encontrou foi chegar aos campos de reabilitação, conta a fotojornalista. São precisas cerca de 18 horas de autocarro que param às 4 horas da manhã, “a meio da noite, no meio do nada”. A somar a uma parte do percurso feita ainda a pé para chegar ao local onde se encontravam os ex-militantes que se adaptavam da vida na selva à vida civil. “Estavam fechados e em áreas muito isoladas”, além de ser preciso autorização para entrar, descreve. Por ir sozinha e com o próprio dinheiro, Catalina explica que as dificuldades foram acrescidas, uma vez que não pôde pagar a alguém que a levasse aos locais.

“A minha função não é julgar se algo está certo ou errado, é apenas contar a história”

Já no campo, a fotógrafa revela que é preciso criar relações com as pessoas. Narra que vivia com eles e que tinha o colchão ao lado do deles: “acordavam e eu acordava com eles”. Segundo Catalina, as pessoas estavam disponíveis, “ninguém disse que não e ninguém pediu para ver as fotografias, foi liberdade total”, revela com um sorriso. As pessoas com quem se deparou estiveram na guerra e “fizeram coisas horríveis”, diz a fotojornalista. No entanto, esclarece que a sua função não é julgar se está certo ou errado, é apenas contar a história. “Há humanidade em cada pessoa”, complementa.

Catalina Martin-Chico admite que se trata de uma história “muito forte” e que contá-la e vivê-la não é tarefa fácil. O facto de viajar a solo pesa, por vezes, relata. Apesar disso, estar sozinha “permite melhor acesso às pessoas, fazem-se novos amigos, estabelecem-se novos contactos e está-se mais dentro do cenário”. Acrescenta que sentiu necessidade de gravar som além de gravar imagem. Tratam-se de pequenos depoimentos em que as mulheres partilham algumas experiências de vida, explica. “É interessante dar-lhes voz”, elucida ao revelar que, “pela primeira vez, a fotografia não foi suficiente”.

Apesar das adversidades que, ocasionalmente, a fazem perguntar-se: “por que não fotografo flores?”, a fotojornalista reconhece que o trabalho final, bem como o sentimento, “é maravilhoso e único”. Enfatiza que de maneira alguma teria outra profissão e que assim se sente “completa”. Outra barreira que tem de ultrapassar, numa base diária, é a questão financeira. Confessa que esta “paixão pelas pessoas” não cobre as despesas, “sucesso e dinheiro nem sempre combinam”, afirma.

Porém, através de uma metáfora, justifica o que a vai motivando. Compara-se a um alpinista que, a meio da montanha, tem uma vista muito limitada, mas que se trabalhar muito alcança o topo, com um cenário completamente diferente, “maravilhoso”. Catalina adiciona ainda que “está pobre, mas isso é apenas um pormenor”. “Já pensei em parar”, confessa, “mas não posso, isto é a minha vida”.

Como se encontra escrito na exposição, as mulheres guerrilheiras das FARC estavam proibidas de ter filhos e as que os tivessem eram obrigadas a separar-se deles. Desde que foi assinado um acordo de paz em 2016, deu-se um fenómeno que a fotógrafa define como ‘baby boom’. “Para estas mães é a oportunidade de um renascimento” é uma das frases que acompanha as imagens. É deste ângulo que Catalina vê a Colômbia e as pessoas desde maio de 2017, explicita.

“Eles fazem parte da minha vida”. Exemplifica com o caso de Olga que lhe pediu que fosse madrinha da filha e que a considera a sua melhor amiga

Ainda hoje mantém o contacto com as personagens que acompanhou mais de perto, das quais recebe notícias frequentemente, inclusive fotografias das crianças que, entretanto, cresceram. Diz com satisfação: “eles fazem parte da minha vida”. Exemplifica com o caso de Olga que lhe pediu que fosse madrinha da filha e que a considera a sua melhor amiga. “É normal”, perdoa, “ela nunca tinha falado com ninguém sobre a sua vida porque não podia”. Desabafa que foi difícil partir: “gostava de os poder ajudar, mas a única coisa que posso fazer é falar sobre eles”. Não obstante, acredita que estão felizes e tenciona visitá-los assim que possível.

Quanto ao prémio, a vencedora diz que é o melhor reconhecimento que lhe podiam ter dado e que se sentiu compreendida. “É como um Óscar, é espetacular”, afirma com entusiasmo. Desvenda que demora mais tempo contar melhor a verdade e que se fosse fácil, toda a gente o fazia. Catalina fundamenta, “deve sempre fazer-se aquilo de que se gosta, vai sempre ser-se melhor nisso do que em tudo o resto”.

Fotografias: Isabel Pinto

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