Ensino Superior

O ciberjornalismo académico não morreu

Isabel Simões

Maioria dos órgãos de comunicação ligados a instituições de Ensino Superior marca presença ‘online’ e são poucos os que mantêm edições em papel. Afetados pela sazonalidade do calendário letivo e com diferentes modelos de gestão, definem-se como “laboratório de reflexão” para “contar histórias” que interessam a comunidade. Por Isabel Simões

O Urbi et Orbi, da Universidade da Beira Interior, o Jornal Universitário de Coimbra – A Cabra, o JornalismoPortoNet (JPN), o ComUM, da Universidade do Minho são alguns dos projetos de jornalismo produzidos com recursos humanos e meios técnicos de instituições de Ensino Superior (ES). No 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses, realizado no Cinema São Jorge, de 12 a 15 de janeiro de 2017, nasceu a ideia de criar o programa Repórteres Em Construção (REC), que junta professores, estudantes e jornalistas e que foi o mais recente órgão a colocar a sua página ‘online’, a 1 de janeiro de 2019. Na passada sexta-feira, todos marcaram presença no 1º Encontro de Ciberjornalismo Académico que decorreu nas instalações do Curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto.

Se alguns ciberjornais funcionam de “forma mais independente, sem qualquer ligação aos cursos de Jornalismo e de Comunicação”, outros, como é o caso do JPN, “têm forte  orientação dos professores”, lembrou Pedro Jerónimo, orador e um dos três elementos do Observatório do Ciberjornalismo que promoveu o encontro. Os órgãos de comunicação social académicos são “sobretudo espaços privilegiados para pensar o jornalismo”, adiantou.

No ciberjornalismo, as dificuldades podem mesmo virar forças

“De meados de maio a meados de setembro, a redação sou eu”, afirmou o chefe de redação do Urbi et Orbi, Rafael Mangana. O calendário letivo coloca obstáculos à participação dos estudantes e alguns órgãos interrompem a publicação durante as férias, como é o caso do Jornal A Cabra. Já no JPN o problema não se coloca porque o meio tem editores contratados. No entanto, para a diretora, Isabel Reis, um dos problemas dos projetos académicos está no facto de “recomeçarem com pessoas que estão no nível zero e de terem sempre coisas novas a ensinar” com a chegada de cada novo semestre. “É difícil, para quem está do lado de fora, compreender este processo, o que faz com que se ache que os jornais académicos podem chegar mais longe do que as suas reais capacidades”, revela. Acrescentou mesmo que há quem se esqueça de que são sobretudo uma escola.

O REC tem o problema acrescido da dispersão dos recursos humanos, uma vez que colabora com 15 instituições de ES do país. Para a vice-presidente da direção do REC, Teresa Abecassis, tal resulta em que apenas os professores se mantenham de edição para edição, até porque “os alunos rodam conforme os anos letivos”. Já o diretor do Jornal A Cabra, Pedro Dinis Silva, reconheceu que apesar de não haver “estabilidade” a renovação dos recursos permite que surjam “ideias novas”. Para os estudantes a participação num ciberjornal “é uma oportunidade de fazer a diferença” – o que representa “um luxo” que a comunicação social profissional já “não tem”, realçou Rafael Mangana.

“Compreender o multimédia ainda é difícil para os alunos”. Mas porquê?

“Ainda há entraves na entrada no espírito do multimédia”, reconheceu o ex-diretor do ComUM, Rui Barros. Apesar dos “bons exemplos, como o The New York Times ou o El País, os alunos consomem pouco estes produtos” e, talvez por isso, “não entram no espírito”, esclareceu.  A aposta no multimédia é uma necessidade sentida pelo diretor do Jornal A Cabra que aponta a prioridade que os estudantes dão à finalização do percurso académico como principal dificuldade na hora de investir mais tempo neste tipo de dinâmica jornalística.

No entendimento de Teresa Abecassis, o objetivo pode ser conseguido caso se “investa no ciberjornalismo”. Mas não como uma atividade altruísta e voluntariosa, alerta. Pelo contrário, destaca a necessidade de reconhecer que “um bom jornal académico, com jornalistas e editores de qualidade, pode mesmo ser uma valiosa carta de apresentação das universidades”. A contribuição de Rafael Mangana prendeu-se com a atitude. Na sua opinião, o jornalismo académico deve sair da “bolha” em que vive, o que significa “ir mais além do que a universidade”. Refere a importância de “encurtar as margens de erro”, atendendo ao facto de se estar a “preparar profissionais para o mercado de trabalho”.

Torna-se necessária “uma mudança cultural nos estudantes”, considerou Margarida David Cardoso, ex-colaboradora do JPN. É frequente que os estudantes se interessam em experimentar novos formatos durante o curso, pois “é a fazer que se aprende”, asseverou a agora colabora do meio de jornalismo independente Fumaça.

Para Rui Barros, o ciberjornalismo depende muito da tecnologia e do que existe para “produzir histórias”. Adianta, por isso, que gostaria de ver uma universidade portuguesa produzir uma plataforma ‘lowcost’. Para o ex-diretor do ComUM, os cibermeios académicos deviam ser “espaços de desenvolvimento das ferramentas para criar novas coisas” e mostrou estar convencido de que os meios profissionais de comunicação estariam interessados nestas plataformas.

REC – Uma realidade “a meio caminho entre a redação e a Academia”

O projeto que tem como objetivo “juntar estudantes e profissionais de jornalismo” em trabalho colaborativo iniciou a publicação em página própria em janeiro de 2019. Tem um programa na Rádio Renascença, com duração de uma hora, que vai para o ar no primeiro domingo de cada mês.  A rádio foi o meio escolhido por não ser dos “mais complicados de se fazer”, contou Teresa Abecassis. “Hoje em dia pode usar-se o telemóvel para gravar som”, justifica como exemplo. Aponta outra das razões como “o perfil das pessoas envolvidas no projeto”, ao nomear Sena Santos, “uma lenda da rádio”, e a Dina Soares. As peças jornalísticas são construídas por alunos sob orientação dos professores e, depois de editadas, são publicadas no site.

Em relação à permanência nas redes sociais de órgãos de informação e de cidadãos que se exprimem das mais diversas formas, a vice-presidente do REC defende que todos vão ter “de conviver”. Sublinha, no entanto, que o REC “é jornalístico” e que os colaboradores fazem “questão de incutir esse olhar também nos alunos” que trabalham nele. “É válido que uma pessoa tenha uma opinião e a partilhe nas redes sociais, mas também é importante ter ao lado a informação que foi verificada e que foi feita com todo o rigor e cuidado”, enunciou. O próximo trabalho do REC vai abordar a Saúde Mental e vai ser publicado no site no dia 1 de abril.

JPN: 15 anos de vida ‘online’, do Porto para o país e o mundo

Primeiro foi nome de um ‘blog’ de apoio às aulas do curso de Ciências da Comunicação, lembrou Fernando Zamith, um dos fundadores. Pedro Rios, outros dos colaboradores do início, recordou que os meios profissionais de comunicação começaram “a desinvestir no Porto e nas outras regiões”, o que permitiu ao JPN cobrir histórias que os outros “não cobriam”.

Segundo a diretora Isabel Reis, o jornal não tem preocupações de ordem financeira e tem a possibilidade de contratar profissionais para serem editores a tempo inteiro. Há, para além disso, orçamentos para transportes e consumíveis. No entanto, o curso a que está associado o ciberjornal “tem passado por algumas transformações: os alunos têm de frequentar dois edifícios em locais diferentes e os colaboradores têm “mudado de organismos”, alerta Isabel Reis. Tudo isso tem significado “mais trabalho para quem dirige”, mas “não coloca o futuro em perigo”.

O  curso oferecido pela Universidade do Porto, a que o JPN está associado, continua a ser formado por quatro faculdades: Letras, Engenharias, Belas Artes e Economia. No entendimento de Isabel Reis, “foi isso que tornou o projeto do JPN possível”. “Há quem não perceba nada de engenharia para criar sites, há quem não perceba nada de ‘design’ que lhe permita dar uma roupagem estética aos conteúdos, mas estas lacunas são complementadas com a junção de saberes”, esclareceu. Como repto para os próximos 15 anos enumerou “os desafios diários”, como conseguir “elevar e pensar as coisas de novas formas, recrutar os alunos a cada semestre, organizar trabalho e tirar partido das suas competências e capacidades”.

O 2º Encontro de Ciberjornalismo Académico vai decorrer na cidade da Covilhã no ano em que o Urbi et Orbi assinala 20 anos de existência.

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