Cultura

Sinal de Vida: um perfil dos Olden Yolk

Vittorio Alves

Banda de ‘folk’ psicodélico radicada em Nova Iorque teve concerto organizado pelo coletivo Lugar Comum dentro do ciclo “American Autumn”. Entre a passagem de som e a contribuição na Rádio Baixa, os Olden Yolk tiraram alguns minutos para conversar sobre composição musical, positividade e o estado da sociedade mediática atual. Por Vittorio Alves

Não fosse pela possibilidade de espalhar arte e de se fazer ouvir através de inúmeros ‘websites’ e plataformas de ‘streaming’, os Olden Yolk provavelmente nunca seriam convidados pelo Lugar Comum para ocupar a antiga sede da Santa Inquisição em Coimbra com o seu som melancólico e novaiorquino. Muito possivelmente não deixariam Sara Mendes, uma das idealizadoras do Lugar Comum, inquieta na escada de entrada do Centro de Artes Visuais de Coimbra. Pode concluir-se que ela não roeria quase todas as suas unhas ou olhasse para o seu telemóvel tantas vezes durante uma boa hora e meia que demorou a passar. Também não suspiraria de alívio à entrada tímida do carro alugado no Pátio da Inquisição.

Shane Butler e Caity Shaffer, os protagonistas da noite, nunca seriam surpreendidos com os ventos incessantes da Praia do Norte, na Nazaré, e também não se atrasariam para a passagem de som com a equipa de Sara. Ao deitar do sol, os Olden Yolk não se instalariam na montra da Rádio Baixa com sua insólita seleção musical e tampouco lucrariam algumas notas com a venda de cartazes, ‘t-shirts’ e vinis mais tarde, depois do concerto.

Eventos díspares e aleatórios estes que culminaram na apresentação do “melhor do ‘folk’ psicodélico contemporâneo”, como apontou Sara Mendes. A banda norte americana, numa sala encharcada por tons quentes, levou alguns ao transe. Os que ficaram por terra e recusaram a segui-la teriam-no feito mesmo sob efeito de alucinógenos, prova de que suas opiniões não devem ser levadas a sério. Mas, após uma noite entregue aos braços de Shane e Caity, resta a questão levantada tanto pelos acordes quanto pelas palavras aqui ditas.

Quem são os Olden Yolk?

De facto, nada disso viria a ser se os amigos mútuos de Caity e Shane não os apresentassem num concerto no Texas, em 2012. Na altura, Shane integrava uma banda chamada Quilt, que se encontra desativada. Eram jovens adultos criados em ambientes de todo distintos. Caity, filha de psicólogos, tinha crescido na Philadelphia, imersa numa casa que prezava pelo utilitarismo. Shane, por sua vez, veio a formar-se em Nova Iorque num ‘ashram’, comunidade de meditação hindu. Ela ouvia fitas de auto-ajuda e aprendeu a tocar piano. Ele, na adolescência, entrou para uma banda de ‘punk rock’.

Parece que ambos apelaram para as predisposições escondidas e coincidentes em cada um. Os mesmos gostos musicais e literários levaram a uma “experimentação entre música, vídeo e poesia”, conta Shane. Os Olden Yolk surgiram então como um projeto colaborativo centrado nos compositores primários do grupo, Caity e Shane. “Nós dividimos as responsabilidades de composição e de arranjo, mas estamos já há um tempo com o nosso baixista Dan Drohan e com o nosso baterista Pete Wagner”, aponta Caity.

Fotografias: Vittorio Alves

Melancolia novaiorquina

“No último punhado de anos, eu tive muitas experiências ruins que me fizeram produzir mais música melancólica”. Shane Butler apressa-se para não deixar que a constatação induza o leitor a definir a sua personalidade. O vocalista e guitarrista considera-se uma pessoa feliz e otimista, mas reconhece que sua música é “mais triste do que a sua personalidade”. Já Caity vê no seu processo produtivo a afirmação da tranquilidade. “Às vezes o que resulta disso é uma música um pouco mais calma”, elucida. A teclista e vocalista não considera que as suas canções estejam “a descansar”, mas também não são tão rítmicas quanto músicas “mais animadas”.

Se depender da opinião de Sara Mendes, as opções compositivas do grupo funcionam muito bem. Para ela, os Olden Yolk trazer o melhor do ‘folk’ dos anos 60, mas sem a “cultura dos ácidos e do ‘peace and love’”. Transportam ainda o género para a contemporaneidade, e é por isso que se encaixa no rol de convidados do Lugar Comum, para além de ser uma banda “numa toada mais independente”, como caracteriza Sara.

“Se nós formos honestos connosco mesmos, então estamos a colocar coisas boas lá fora”

Caity e Shane não se atêm, contudo, a camisas de força estilísticas. O próximo álbum, que vai sair no próximo ano, traz consigo algumas faixas mais alegres. “É um pouco assustador para nós. Está fora da nossa zona de conforto”, pondera Caity. Pode dizer-se que a criança, agora em fase final de gestação, foi concebida em Los Angeles. Os dois forasteiros da costa leste alugaram uma casa na cidade durante o passado verão e propuseram-se a escrever e escrever. “Escrevíamos sozinhos e depois juntos. Neste trabalho focamos mais nas letras”. O guitarrista conclui que, enquanto que no primeiro álbum, os Olden Yolk estavam à procura de um determinado som, neste vindouro eles concentraram-se mais na elaboração das letras.

Noticiário televisivo

“Sempre que eu vejo uma tragédia nas notícias, aquilo fica profundamente internalizado”, explica Caity. As suas inspirações vêm também de memórias de infância, mas o que apela mais à sua sensibilidade são os acontecimentos atuais e o sofrimento do mundo. Ela cita o nefasto sistema carcerário norte americano e os incontáveis e absurdos “shootings”

Para Shane, a importância de falar sobre esses assuntos passa pela asseguração de que “vai ficar tudo bem”, como ele coloca. No meio de tanta coisa acontecendo no mundo, o novaiorquino quer espalhar positividade e levar as pessoas a crerem que esses eventos se vão resolver. O guitarrista reconhece, entretanto, uma tendência mundial. Trump nos Estados Unidos, Bolsonaro no Brasil e uma eleição na França que foi, nas suas palavras, “intensa”. Para ele, é uma questão simples: “quando a violência se espalha, a violência se espalha”.

“Trata-se de dar um lugar às pessoas onde possam ficar juntas e sentir-se seguras de novo”

Por sua parte, os Olden Yolk tratam mais de eventos pontuais do que de um quadro político mais amplo. Eles não se subscrevem a orientações políticas, mas sim a “acontecimentos específicos que magoam as pessoas”. Espalhar amor. Isto é o que a música tem feito durante tanto tempo, segundo Shane. “Trata-se de dar um lugar às pessoas onde elas possam ficar juntas e se sentir seguras de novo”, reflete o guitarrista.

Uma voz, por mais pequena que seja

Shane pondera que o serviço público de reunir pessoas em torno da arte ficou muito mais viável graças ao período especial pelo qual a humanidade passa. Seja um artista famoso ou não, a possibilidade de compartilhar tanto trabalho comove os Olden Yolk.

Para o novaiorquino, conforme os media se tornam descentralizados, todos passam a ter um meio de expressão. Os Olden Yolk têm uma voz pequena neste turbilhão informativo, mas ela é merecedora de ser ouvida. Resume bem Shane Butler: “Se nós formos honestos connosco mesmos, então estamos a colocar coisas boas lá fora”.

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