Enquanto Maria João viajava até Coimbra, Budda Guedes desvendou o universo por detrás de Budda Power Blues e da colaboração da banda com a artista. Uma conversa intimista onde o ‘blues’ predominou. Por Raquel Bem e João M. Mareco
Ao som de Danny del Toro, que afinava as primeiras guitarradas no palco do “Coimbra em Blues”, Budda Guedes, o porta-voz da banda, salientou a relação entre amizade e cultura que se fez ouvir no concerto de Budda Power Blues & Maria João. Ambos os grupos navegaram nas ondas do ‘blues’ esta noite, no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV).
As vossas origens influenciam a música que fazem?
Acho que sim. Se formos honestos com o que fazemos, que é o nosso caso, tudo o que nos rodeia influencia a nossa música. Desde o Cristiano Ronaldo ao Donald Trump, à Internet, aos telemóveis, à música que ouvi e à música que não ouvi – tudo o que nos rodeia. Há uma consciência global que acaba por nos influenciar. Depois, cada indivíduo acaba por absorver aquilo que a cultura tem para oferecer – que é muito mais do que aquilo que consegue absorver. Eu acho que o facto de sermos portugueses influencia-nos. Aliás, o último disco, “Back to Roots”, é uma reflexão sobre isso, sobre uma ficção de uma influência maior da cultura portuguesa no ‘blues’.
De forma a chegar também ao público dela?
De forma a que as pessoas percebam que o ‘blues’ é um estilo em permanente evolução. Há sempre o debate do que é ‘blues’ e do que não é. Todos os meus ‘bluesmen’ foram sempre aqueles que quebraram com a tradição. Muddy Waters foi dos campos de algodão para Chicago e eletrificou o ‘blues’ – ligou guitarras a amplificadores, ligou harmónicas a amplificadores para distorcê-las, somou a bateria ao ‘blues’, que não havia. Era um estilo cantado e, quanto muito, tocado na harmónica ou na guitarra. Ele formou uma banda, estabeleceu a estrutura do ‘blues’ de 12 compassos. Fez uma série de evoluções que o ‘blues’ não tinha até então. E, portanto, trazer alguém de fora para o ‘blues’, em Portugal, ajuda a que as pessoas percebam que “também é isto, também é canção”. Eu acho que, acima de tudo, o ‘blues’ é um ‘feeling’… Sinto uma certa necessidade de divulgar o ‘blues’ e difundi-lo em Portugal. Eu tenho um programa de YouTube onde convido pessoas para falarem sobre ‘blues’. Este que nasceu da fusão de África com a Europa. E nós, portugueses, temos muito desses dois continentes, esta cultura rodeia-nos. Eu acho que isso tudo nos transforma muito… Portanto, trazer alguém de fora do ‘blues’ é uma pequena migalha no bolo todo de todas as coisas que tencionamos fazer.
Quando fala na junção com a Maria João, refere-se ao concerto do Lisbon Blues Fest? Foi a primeira vez que contactaram com a Maria João em palco?
Foi a primeira vez que tocámos juntos ao vivo. Surgiu logo a ideia de fazer um disco. Pensámos logo que tínhamos de criar algo onde a fusão criada vivesse, que não fosse Budda Power Blues nem Maria João, que fosse algo entre os dois universos.
Antes do “Blues Experience”, convidaram a Maria João para participar no vosso quinto álbum.
Sim, foi a primeira música em conjunto. Eu compu-la depois do primeiro ensaio, tocámo-la ao vivo na Casa da Música, no Porto. A partir daí, senti que a cena de fazermos temas nossos iria funcionar. O disco fala de experiências muito pessoais. Fala, sobretudo, sobre a forma muito semelhante que temos de ver a vida enquanto portugueses que tocam pelo mundo. Percebermos que realmente Portugal tem algo de muito especial, que nós só agora é que estamos a descobrir. É um orgulho nacional, que não é de todo nacionalista. Acho que somos todos cidadãos do universo.
A troca de experiências através da comunicação é importante para manter a banda unida durante tanto tempo? A predisposição para ouvir facilitou a integração da Maria João neste projeto?
Sim, claro. A Maria João aceitou um desafio completamente fora da sua caixa. O que acho mais fantástico é exatamente isso. Todos estamos a ouvir e todos estamos a falar. O concerto não é ‘super’ pré-definido. Nunca ensaiamos, nem para gravar o disco. Tudo é espontâneo, tudo é conversa. Ninguém calca os pés de ninguém, pois estamos todos a tocar e a conversar. Isto só é possível com alguém como a Maria João, que sabe improvisar e ouvir, porque a música, no fundo, é uma conversa.
Existe um carinho especial por tocar em Coimbra?
Sim, nós estamos em Coimbra para aí há 10 anos. Esta cidade fez parte do nosso arranque como banda e já não vínhamos cá há imenso tempo. Tocámos muitos anos no Irish Pub – quase que nos fizemos banda lá e no Hot Five, no Porto. São os dois sítios onde tocámos mais vezes, onde evoluímos como coletivo.
É correto caracterizar o concerto de hoje como uma reunião de amigos?
Claro, eu digo sempre que só toco com amigos. Prefiro mil vezes um mau músico que é boa pessoa do que um bom músico que é má pessoa, sempre! Eu esforço-me para trabalhar com amigos. Não consigo tocar com más pessoas porque isso transparece-se na música. Acho que o mais incrível na música são os amigos que conheces… Por exemplo, conheci o Danny del Toro [que também atuou no “Coimbra em Blues”] quando ele tocou no “BB Blues Fest”. Pela primeira vez, estamos a tocar no mesmo palco, mas com projetos diferentes. Os amigos que ficam são uma das coisas que faz da música uma profissão fantástica. Na realidade, há muitas coisas boas em ser músico, não trocava isto por nada.
