O Prémio UC 2017 é atribuído a Madalena Victorino, a terceira mulher a receber o galardão. Para Adério Araújo, esta é uma atribuição “que prestigia não só a Madalena, mas também a Universidade de Coimbra”. Por Cristina Oliveira e Isabel Simões
Coreógrafa, professora e programadora cultural, assim é conhecida Madalena Victorino, uma multifacetada lisboeta que se tornou uma referência no mundo da dança em Portugal. O seu percurso artístico teve início quando ainda frequentava a Escola Alemã de Lisboa. Na altura, caracterizada como “uma rapariga cheia de energia”, Madalena Victorino dedicava-se à ginástica. No entanto, para os seus professores, “a ginástica não [lhe] chegava” e tinha de gastar a sua energia a “estudar dança”, assim explica a coreógrafa.
Com a dificuldade que existia em ingressar na área da dança no país, aproveitou a revolução de 25 de Abril para se revolucionar a si própria. Assim, após os movimentos da época, e com apenas 18 anos, partiu para Londres onde frequentou a escola de dança de Martha Graham. Durante esse tempo, para poder sustentar o seu sonho, Madalena Victorino teve de arregaçar as mangas e ir à procura de trabalho. No seu currículo constam tarefas como empregada de hotel, de restaurante, e também, de mulher-a-dias. “As minhas prestações como mulher-a-dias eram um grande sucesso. Eu trabalhava ao fim de semana e com esse dinheiro conseguia viver durante o resto dos dias”, conta a coreógrafa. Mais tarde conseguiu uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, algo que lhe permitiu “estudar dança a toda a hora”, acrescenta.
Em 1977, matriculou-se no Laban Centre for Movement and Dance, do Goldsmith’s College da Universidade de Londres, onde frequentou o curso de Dança Educacional. Já em 1980, tornou-se na primeira coreógrafa portuguesa cuja formação em dança foi feita numa universidade. Ainda nesse ano, Madalena Victorino regressa a Portugal disposta a reinventar a sua própria profissão.
Os primeiros passos na dança contemporânea portuguesa
De Londres, veio influenciada pelas ideias de Rudolf von Laban, teórico de dança do século XX e bailarino. Madalena Victorino encara a dança “não como um conjunto de estilos ou de trajetórias do corpo no espaço exclusivo do plano artístico”, mas “tendo como fonte o movimento humano”. Com esses ideais, percebeu “o quanto é interessante levá-las às pessoas comuns”.
No entanto, os trabalhos que realizou não se fecharam nesta linha artística e várias foram as influências que sofreu. A partir dos anos de formação “trabalhou com muita gente do teatro, da dança, da música e das artes plásticas, e agora tudo se mistura para os projetos que desenvolve”, esclarece Leonor Barata, docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) e antiga aluna de Madalena Victorino.
A sua carreira teve início em 1980, aquando do seu regresso ao país, onde fez parte de um projeto de instalação de dança educativa nas escolas e centros de lazer comunitários. Ainda no mesmo ano, iniciou no Ateneu Comercial de Lisboa, um atelier de coreografia para não profissionais de dança de várias profissões, idades e aptidões físicas, de forma a desenvolver criações coreográficas contemporâneas. Desde então, seguiram-se projetos como “Queda num local imaginado”, em 1988, apresentado na Quinta Maria Gil, na Lourinhã; “Dias felizes”, em 2001, onde realizou a sua primeira encenação por convite de Jorge Silva Melo, fundador da sociedade Artistas Unidos, e “Lembranças”, em 2015, na Culturgest.
No seu reportório conta ainda a fundação do Fórum Dança, em 1991, uma associação cultural sem fins lucrativos que promove a dança nas áreas da educação, investigação, coreografia, interpretação e produção artística. Entre 1996 e 2008, criou o primeiro espaço em Portugal de programação artística para um público jovem, no Centro Cultural de Belém (CCB). Para Leonor Barata, “o trabalho que ela fez à frente do Centro de Pedagogia e Animação no CCB foi de uma competência extraordinária”. Já Adérito Araújo, colaborador do Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra (GEFAC), acredita que “o CCB foi pioneiro e fez com que todos os serviços educativos quisessem ser feitos àquela imagem”.
Passagem por Coimbra
Um pouco por todo o país, várias foram as localidades que já acolheram o trabalho de Madalena Victorino. “Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003” recebeu a primeira colaboração da coreógrafa em terras conimbricenses. Seguiu-se a participação na Semana Cultural de UC, em 2008 e 2009, onde, com a ajuda de Giacomo Scalisi, seu companheiro, desenvolveu vários espetáculos artísticos que tinham a particularidade de ocorrem em espaços inusitados, como a Sala do Exame Privado, a Biblioteca Geral, a FLUC ou o Jardim Botânico da UC.
Na memória da cidade ficou ainda a colaboração de Madalena Victorino com o GEFAC. Adérito Araújo conta que a proposta feita à coreógrafa passou por “trabalhar os patrimónios que existem nas Repúblicas de Coimbra como se fossem um espetáculo etnográfico”. Nesse espetáculo participaram as Repúblicas Bota-Abaixo, Rás-Te-Parta e Pra-Kys-Tão. Esse trabalho de parceria com a comunidade é uma das principais características que definem a coreógrafa e, para José António Bandeirinha, docente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC, “o trabalho da Madalena Victorino é sempre um trabalho de interação profunda”.
Ilustração: João Ruivo
